Figura 1: Rádio-telescópios de Jodrell Bank no Reino Unido denominado Lovell, com 76 metros de diâmetro e de Parkes (Austrália) (Cred: CSIRO) com 64 metros de diâmetro
A astronomia enquanto observação de corpos celestes e tentativa de explicação de acontecimentos com eles relacionados, é talvez a ciência mais antiga na História do Homem. Durante milénios o Homem observou e tentou prever acontecimentos celestes apenas baseado em dados que recolheu com os seus olhos. Na verdade, foi preciso chegar até ao início do século XVI depois de Cristo para que Galileu, apontando uma luneta para o céu, fizesse as primeiras observações que "aproximavam" os corpos celestes de nós. As suas descobertas, e as que se seguiram nos próximos 400 anos foram todas relacionadas com telescópios ópticos cujo objectivo é o de aumentar e melhorar aquilo que os nossos olhos conseguem ver. Porém, como sabemos, os nossos olhos não são sensíveis a todo o tipo de radiação. Se o fossem não necessitaríamos por exemplo, de tirar radiografias já que bastaria olharmos para o esqueleto para o conseguirmos ver.
Figura 2: A Figura mostra uma composição de imagens tiradas com diferentes telescópios ópticos do 1º quasar descoberto: 3C 273. A imagem á direita em baixo mostra como a fonte aparece como uma estrela numa chapa fotográfica obtida com o telescópio de Palomar de 48 polegadas (cerca de 1.2 metros de diâmetro). Por outro lado a imagem maior mostra a mesma fonte observada com um telescópio de 3.6 metros de diâmetro onde se vê claramente que existe um jacto na parte inferior direita. Por fim, a imagem pequena na parte superior da Figura mostra uma imagem do jacto obtida com telescópio espacial Hubble (HST).
W. Keel, Universidade de Alabama, EUA e Herman-Josef Roeser, Max-Planck-Institut für Astronomie
De facto, os nossos olhos são apenas sensíveis a uma estreita faixa da radiação, o que significa que utilizando unicamente telescópios ópticos, o nosso conhecimento sobre o Universo é bastante limitado. Porém, foi com base nestes telescópios que durante a primeira metade do século XX, devido ao esforço de vários observadores e teóricos, se possuía já bastantes conhecimentos sobre as estrelas e a sua evolução, assim como sobre algumas galáxias.
No entanto, o Universo oferece um espectáculo muito mais vasto daquele que os nossos olhos podem ver. Para o conhecer e tentar interpretar precisamos "olhar o Universo com outros olhos".
Depois da 2ª Grande Guerra Mundial, alguns dos engenheiros e cientistas que tinham trabalhado no desenvolvimento do radar decidiram dedicar-se ao estudo das ondas de rádio que vinham do céu. Continuavam assim o trabalho pioneiro de K. Jansky durante a década de 1930 ao detectar ondas rádio emitidas pela nossa própria galáxia. Foi assim que na década de 50 apareceram os primeiros rádio-telescópios e interferómetros em Cambridge e Jodrell Bank no Reino Unido e, em Sidney e Parkes na Austrália (ver Figura 1). Com eles se estabeleceu a existência de fontes emissoras de rádio-frequência.
Mas que objectos eram estes? Qual a sua origem, e como poderíamos estudá-los? Um problema que era necessário ultrapassar era o da identificação destas fontes no céu que se conhecia. Sem ela, não se poderia fazer uso dos telescópios ópticos disponíveis na altura, e sem observações com estes telescópios não sabíamos como proceder. O problema estava relacionado com o facto de muitas destas fontes emissoras de rádio apresentarem emissão em escalas que continham demasiadas estrelas para se saber qual a progenitora da emissão em rádio.
Figura 3: Emissão de rádio da fonte 3C 273 obtida com o rádio-interferómetro MERLIN (um rádio-interferómetro é constituído por conjunto de radi-telescópios que observam simultâneamente a mesma fonte).
Cred: MERLIN
http://www.jb.man.ac.uk/research/namgallery/
Estávamos então no ano de 1962 e Cyril Hazard decidiu aproveitar a ocultação de uma destas fontes pela lua para poder determinar a sua posição de forma suficientemente rigorosa que lhe permitisse em seguida identificá-la com algum objecto visível. A fonte em questão era a fonte nº 273 do terceiro catálogo feito pelos rádio-astrónomos de Cambridge (3C 273). A observação proposta por Hazard foi um sucesso: A posição da fonte de rádio foi determinada com suficiente rigor para fosse identificada com um objecto de aparência estelar de magnitude próxima de 13 (ver Figuras 2 e 3).
Esta identificação foi decisiva pois permitiu ao astrónomo Maarten Schmidt utilizar o telescópio óptico de 200 polegada do Monte Palomar na Califórnia (EUA) para obter um espectro da fonte de forma a tentar classificá-la (ver Figura 4). O resultado porém foi de certa forma inesperado. O espectro de emissão apresentava 4 riscas que embora fossem conhecidas pelos astrónomos, não foram identificadas imediatamente. O problema residia em que estas riscas não apareciam no mesmo sítio (chamado comprimento de onda) relativamente aos espectros de outras fontes. Na verdade, apareciam deslocadas para maiores comprimentos de onda em cerca de 16%, isto é o seu comprimento de onda era cerca 16% superior. Este desvio para maiores comprimentos de onda é denominado "desvio para o vermelho" e é interpretado como uma medida de distância entre nós (observadores), e a fonte. Assim, o desvio para o vermelho medido para as 4 riscas significava que a fonte não podia ser uma estrela da nossa galáxia mas sim um objecto extra-galáctico.
Embora se conhecessem já na altura outras galáxias, o que era surpreendente nesta fonte é que podia ser confundida com uma estrela nas chapas fotográficas do céu. Porém a esta distância e apresentando este magnitude significava que tinha de ser cerca de 100 vezes mais brilhante que uma galáxia inteira!
Figura 4: Espectro óptico da 3C273 mostrando as riscas de emissão correspondentes às séries de Balmer do Hidrogénio, que essencialmente correspondem à emissão de energia entre diferentes níveis de energia do átomo de Hidrogénio.
W.Smith, Universidade de California, San Diego, EUA
http://casswww.ucsd.edu/public/tutorial/Quasars.html
Em pouco tempo foram obtidos e interpretados mais espectros de fontes com características semelhantes à 3C 273 que cativaram a atenção não só dos astrónomos observadores como também dos teóricos. O interesse despertado por estas fontes foi tal, que em Dezembro de 1963 se realizou no Texas (EUA) o primeiro daquilo que viria a tornar-se um acontecimento bienal denominado "Texas Symposia". As fontes do tipo da 3C 273 passaram a ser conhecidas como "Objectos Quase Estelares" (QSO, que vêm do inglês "Quasi Stellar Objects"), ou simplesmente por Quasares. Mais tarde viria a verificar-se que os quasares são apenas um dos vários tipos de Núcleo Galácticos Activos, mas disto falaremos mais adiante.