Astrónomos observam colisão de supernova com estrela companheira

2015-05-21

Imagem de uma simulação de supernova de Tipo Ia. Na simulação, uma supernova de Tipo Ia explode (castanho-escuro). O material da supernova é ejectado com uma velocidade de cerca de 10000 km/s e colide com a sua estrela companheira (azul-claro). A violenta colisão produz um sinal de radiação ultravioleta que é emitido a partir do orifício cónico esculpido pela estrela companheira. Crédito: Dan Kasen.
As supernovas de Tipo Ia
supernova Tipo Ia
Uma supernova de tipo I que não apresenta no seu espectro riscas espectrais de hidrogénio e de hélio, mas possui fortes riscas espectrais de silício.
, um dos fenómenos mais fascinantes do Universo, ocorrem quando estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
pequenas e densas, anãs brancas
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
, explodem com grande intensidade. No seu auge, estas supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
podem ofuscar uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
inteira. Embora nas últimas décadas tenham sido encontradas milhares de supernovas deste tipo o processo pelo qual uma anã branca se torna numa supernova ainda não foi totalmente compreendido.

Mas isto começou a mudar a 3 de Maio de 2014, quando uma equipa de astrónomos da Caltech a trabalhar num sistema de observação robótico conhecido como iPTF (intermediate Palomar Transient Factory) - uma colaboração de vários institutos liderada por Shrinivas Kulkarni, Professor de Astronomia e Ciências Planetárias e director dos Observatórios ópticos da Caltech - descobriu uma supernova de Tipo Ia, designada por iPTF14atg, na galáxia IC831, localizada a 300 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância.

Os dados que foram imediatamente recolhidos pela equipa do iPTF ajustaram-se a uma das duas teorias concorrentes sobre a origem das supernovas de anãs brancas, e também sugeriram a possibilidade de existirem na verdade duas populações distintas deste tipo de supernovas.

Os detalhes vêm descritos num artigo cujo principal autor é Yi Cao, da Caltech, e surgem na edição de 21 de Maio da revista Nature.

As supernovas de Tipo Ia são conhecidas como "velas padrão" porque permitem aos astrónomos medir distâncias cósmicas observando o quão ténue elas surgem em relação ao brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
que realmente possuem. É como saber que a uma distância de aproximadamente 1,6 quilómetros uma lâmpada parece 100 vezes mais fraca do que outra localizada a uma distância dez vezes menor. Esta consistência fez destes objectos estelares instrumentos para a medição da aceleração
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
da expansão do Universo, na década de 1990, que deu a três cientistas o Prémio Nobel de Física, em 2011.

Há duas teorias concorrentes para a origem destas supernovas e ambas começam com o mesmo cenário geral: a anã branca, que eventualmente explode, faz parte de um binário de estrelas
sistema binário de estrelas
Designa-se por sistema binário de estrelas um sistema de duas estrelas que orbitam um centro de massa comum. Estrelas binárias são também usualmente designadas por estrelas duplas.
que orbitam um centro de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
comum. E a interacção entre estas duas estrelas é responsável pelo desencadear da supernova. No entanto, as teorias divergem quanto à natureza desta interacção.

De acordo com uma das teorias, o modelo de degeneração dupla, o companheiro da anã branca que explode é também uma anã branca, e a explosão de supernova inicia-se quando os dois objectos semelhantes se fundem.

Porém, a outra teoria, o modelo de degeneração única, diz que a segunda estrela é do mesmo tipo que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, ou até uma gigante vermelha
estrela gigante vermelha
As estrelas gigantes vermelhas são estrelas gigantes com temperaturas à superfície entre 2500 e 3500°C, do tipo espectral M ou K. As estrelas gigantes são um estado evoluído de estrelas anãs, como o Sol - as estrelas anãs, ao terminarem o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo, arrefecem e expandem-se, evoluindo para estrelas gigantes. Um dos seguintes processos, ou os dois, ocorre agora: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo; a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal.
. Neste caso, a poderosa gravidade da anã branca rouba por acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
material à segunda estrela. Este processo faz aumentar a temperatura e a pressão no centro da anã branca até que se desencadeia uma reacção nuclear que acaba numa espectacular explosão.

A dificuldade em determinar qual dos modelo está correcto resulta da circunstância dos eventos de supernovas serem muito raros na nossa galáxia e de as estrelas envolvidas serem muito ténues antes das explosões.

É aí que o iPTF entra. No monte Palomar, no sul da Califórnia, onde está o telescópio de 48 polegadas
polegada (in)
A polegada (in) é uma unidade de comprimento do sistema inglês, equivalente a 2,54 cm.
Samuel Oschin, a câmara totalmente automatizada do projecto observa cerca de 1000 graus quadrados do céu por noite (aproximadamente 1/20 de o céu visível acima do horizonte), procurando objectos, incluindo supernovas do Tipo Ia, cujo brilho se altera em escalas de tempo que variam de horas a dias.

A 3 de Maio, o iPTF captou imagens de IC831 e transmitiu os dados para serem analisados em computadores no National Energy Research Scientific Computing Center. Como esta primeira análise ocorreu de noite nos Estados Unidos, mas durante o dia na Europa, os colaboradores europeus e israelitas do iPTF foram os primeiros a analisar os resultados, procurando sinais intrigantes. Depois de ter detectado a possível supernova - um sinal que não tinha sido visível nas imagens captadas na noite anterior - a equipa europeia e israelita alertou os seus colegas norte-americanos, incluindo o estudante da Caltech, e membro da equipa iPTF, Yi Cao.

Cao e os colegas mobilizaram então telescópios terrestres e espaciais, incluindo o satélite Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, que observa em ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
(UV), para verem mais de perto a jovem supernova.

"Eu e os meus colegas passámos muitas noites sem dormir a projectar o nosso sistema para a pesquisa de emissão ultravioleta proveniente de supernovas recém-nascidas do Tipo Ia ", disse Cao. "Como podem imaginar, fiquei eufórico quando vi pela primeira vez um ponto brilhante na localização desta supernova na imagem de ultravioleta. Era disto que estávamos à espera."

A radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
UV tem mais energia que a luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
, de modo que é particularmente adequada para observar objectos muito quentes, como supernovas (embora tais observações só sejam possíveis a partir do espaço, uma vez que a atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
de da Terra e o ozono absorvem quase toda a radiação UV recebida). O Swift mediu um sinal de radiação UV que inicialmente enfraqueceu, mas depois aumentou à medida que a supernova se tornou brilhante. Como este sinal é de curta duração, pode não ser detectado em pesquisas que examinam o céu com menos frequência
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
que o iPTF.

O sinal ultravioleta observado ajusta-se a um cenário de formação no qual o material ejectado por uma explosão de supernova colide com a estrela companheira, gerando uma onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
que inflama o material circundante. Por outras palavras, os dados estão de acordo com o modelo de degeneração única.

Em 2010, Daniel Kasen, um professor associado de astronomia e física na UC Berkeley e no Lawrence Berkeley National Laboratory, usou cálculos teóricos e simulações em supercomputadores para prever um sinal semelhante. "Depois de eu ter feito esta previsão, muita gente tentou procurar essa assinatura", disse Kasen. "Esta é a primeira vez que alguém a viu. E inaugura um método completamente novo de estudar as origens das explosões de estrelas."

Segundo Kulkarni, a descoberta "fornece uma prova directa da existência de uma estrela companheira numa supernova de Tipo Ia, e demonstra que pelo menos algumas supernovas de Tipo Ia têm origem num modelo de degeneração única."

Embora os dados da supernova iPTF14atg se ajustem a um sistema de degeneração única, é possível que outras supernovas de Tipo Ia resultem de sistemas de degeneração dupla. De facto, observações realizadas em 2011 a outra supernova de Tipo Ia, SN2011fe, descoberta na galáxia próxima Messier 101 pelo PTF (o precursor do iPTF), pareciam afastar o modelo de degeneração única. Segundo o professor de astrofísica teórica Sterl Phinney, da Caltech, que não esteve envolvido na pesquisa, isto significa que ambas as teorias podem ser válidas. "A novidade é que parece que os dois conjuntos de modelos teóricos estão certos, e que existem duas populações muito diferentes de supernovas de Tipo Ia."

Fonte da notícia: http://phys.org/news/2015-05-astronomers-supernova-colliding-companion-star.html