Como surgem os buracos negros estelares?


O ciclo de vida de uma estrela


Crédito: NASA. A figura compara os diferentes ciclos evolutivos das estrelas. Na parte central uma nebulosa dá origem a estrelas com diferentes massas. Na parte esquerda da figura está representado o ciclo evolutivo de uma estrela de pequena massa (como o Sol), que terminará a sua vida como uma anã branca. Na parte direita está representado o ciclo de vida de uma estrela de grande massa que pode terminar a sua vida como uma estrela de neutrões ou um buraco negro.
A luminosidade das estrelas durante a maior parte da sua vida deve-se às reacções nucleares de fusão, que convertem o hidrogénio (H) em hélio (He). Estas reacções são possíveis graças às temperaturas extremamente elevadas no seu interior. A pressão de radiação que se gera equilibra então a força da gravidade e faz com que a estrela não se contraia sob a acção da sua própria massa.

Quando o combustível (neste caso o hidrogénio) começa a esgotar-se, a pressão de radiação diminui e o núcleo contrai-se devido à acção do campo gravítico. Há um aumento da temperatura nas regiões mais próximas do núcleo, o que faz com que seja possível a formação de uma camada de combustão do hidrogénio que se vai deslocando gradualmente em direcção à superfície. A estrela procurando um novo estado de equilíbrio para contrabalançar a força gravitacional, vai expandir-se. O raio estelar aumenta e a estrela transforma-se numa gigante vermelha ou numa supergigante vermelha, dependendo da sua massa inicial.

Enquanto a estrela se expande o núcleo contrai-se. Há um novo aumento da temperatura e, dependendo da massa original da estrela, a temperatura e densidade poderão aumentar suficientemente para que novas reacções possam começar e transformar o núcleo de hélio numa mistura de carbono e oxigénio, ou, em estrelas maiores, oxigénio, néon e magnésio. Durante este período as camadas externas da estrela são dispersadas no meio interestelar (em estrelas de grande massa, a fracção perdida representa uma grande parte da massa total), enquanto o núcleo, onde começam também a esgotar-se os combustíveis mais pesados, continua a contrair-se e a aquecer até temperaturas extremamente altas. A transformação dos elementos continua até chegar ao ferro.

Estrelas como o Sol (estrelas de pequena massa) possuem um ciclo de vida de duração mais longa, na ordem dos milhares de milhões de anos, e terminam o seu ciclo na fase de queima do hélio, na forma de uma anã branca. O Sol já existe há pelo menos 4,5 mil milhões de anos e deverá estar na metade do seu ciclo evolutivo.

Estrelas que possuam uma massa superior a cerca de 8 MSol percorrem o seu ciclo de vida num intervalo de tempo muito mais curto, da ordem dos milhões de anos. Por possuírem uma massa maior, necessitam de mais combustível para manter o estado de equilíbrio e portanto consomem mais rapidamente as matérias-primas usadas na fusão nuclear. Geralmente chegam ao final da sua evolução na forma de uma estrela de neutrões ou um buraco negro.

Anãs brancas


Crédito: NASA & The Hubble Heritage Team (STScI/AURA). Nebulosa planetária a 4000 anos-luz, na direcção da constelação da Popa (do Navio). A estrela central evoluiu para anã branca depois de ter ejectado as suas camadas mais externas, dando origem à nebulosa. http://www.portaldoastronomo.org/npod.php?id=58
As estrelas de menor massa terminam o seu ciclo de vida de uma forma mais pacífica, em que o núcleo perde gradualmente contacto com as camadas mais externas. Fotões de alta energia provenientes do núcleo estelar vão a pouco e pouco ionizando/excitando o material destas camadas já muito diluídas e dispersas, produzindo como resultado as incrivelmente bonitas nebulosas planetárias. (ver tema do mês de Março/2004).

O que resta da estrela tem agora a forma de uma anã branca. Nessas estrelas a matéria está tão comprimida que os núcleos atómicos ficam “colados” uns aos outros. Um estado em que não há átomos mas sim núcleos e electrões livres. O colapso da estrela é agora travado pela pressão de degenerescência dos electrões, uma pressão que surge pela impossibilidade de dois electrões ocuparem a mesma posição. Se tentarmos colocar dois electrões na mesma órbita surgirá um efeito parecido com o efeito de repulsão electromagnético que aparece quando tentamos aproximar partículas com cargas iguais. Nesse caso, o “efeito de repulsão” é de natureza quântica e é conhecido como o princípio de exclusão de Pauli: dois electrões não podem ocupar o mesmo estado quântico. Pois bem, no interior do núcleo remanescente das estrelas a pressão é tão grande que surgem as condições necessárias para que esta força actue e a degenerescência dos electrões possa travar o colapso gravitacional, estabilizando a estrela.

As anãs brancas são extremamente quentes e emitem só radiação térmica. A primeira anã branca descoberta foi Sírius B que é companheira de Sírius, uma das estrelas mais brilhantes do céu. A anã branca companheira de Sírius é mais pequena do que a Terra mas tem quase a mesma massa que o Sol. As anãs brancas são tão densas que uma colher de chá do material que as constitui pesaria, pelos padrões terrestres, 50 toneladas!

A descoberta de que a pressão dos electrões podia deter o colapso da estrela foi feita pelo físico indiano Chandrasekar quando tinha 20 anos no barco que o levava da Índia à Inglaterra onde ia começar o seu doutoramento. Ele calculou que só os remanescentes estelares que tivessem uma massa inferior a 1,44 vezes a massa do Sol poderiam atingir um estado de equilíbrio à custa da pressão de degenerescência dos electrões. Esse será o destino da nossa estrela, o Sol. No caso de ultrapassarem este limite a continuação do colapso será inevitável.

Estrelas de neutrões


Crédito: HST (NASA/ESA). A imagem da esquerda mostra a Nebulosa do Caranguejo. Trata-se do remanescente de supernova, a uma distância de 6000 anos-luz, que foi descoberto pela primeira vez em 1731 pelo astrónomo amador inglês John Bevis. Contudo, a explosão da supernova que originou a nebulosa foi avistada pelos chineses, a 4 de Julho de 1054, tendo o seu brilho sido 4 vezes superior ao de Vénus! A imagem da direita mostra a região interior da nebulosa onde se encontra um pulsar (uma estrela de neutrões que emite pulsos regulares). O pulsar está visível na parte central da imagem. A período de rotação de um pulsar é extremamente pequeno, O pulsar da nebulosa do caranguejo por exemplo roda sobre o seu próprio eixo 33 vezes por segundo.
Se a estrela progenitora tiver uma massa inicial superior a cerca de 8 MSol, o ciclo de transformação de H e He em elementos de massa mais elevada pode continuar até atingir a fase em que o núcleo da estrela é constituído essencialmente por ferro.

O ferro é um elemento estável e novas reacções não são possíveis. Para transformar o ferro em elementos de massa superior seria necessário fornecer energia à estrela. Não havendo pressão de radiação o núcleo da estrela colapsa muito rapidamente e perde o contacto com as camadas mais externas. Com uma massa superior a 1,44 MSol, a pressão de degenerescência dos electrões não é suficiente para contrabalançar a força gravítica e o núcleo da estrela volta a colapsar. Os electrões não resistem à intensa força gravítica e começam a interagir com os protões do núcleo dando origem a neutrões. Nesse caso, e se a massa do núcleo for inferior a 3 MSol, o novo estado de equilíbrio só é atingido devido à pressão de degenerescência dos neutrões. Ou seja, pelo efeito quântico que impede que dois neutrões ocupem o mesmo estado. A pressão originada pelos neutrões “empacotados” vai contrabalançar a força gravítica e a estrela atinge equilíbrio na forma de uma estrela de neutrões.


Crédito: NASA. Em estrelas de massa elevada o ciclo evolutivo só termina quando o núcleo da estrela é constituído essencialmente por ferro, um elemento estável que não pode ser transformado. A estrela parece uma cebola em que cada camada é constituída pelos diferentes elementos produzidos durante o ciclo evolutivo da estrela.
As camadas mais externas que não conseguiram acompanhar o colapso do núcleo e sofrem um processo mais lento de contracção acabam por colidir com o núcleo degenerado. Dá-se então a explosão de supernova tipo II, um dos fenómenos mais energéticos do universo. Nesta fase, a estrela lança para o meio interestelar as diversas camadas de elementos que produziu no seu interior. A interacção da radiação proveniente do núcleo com as camadas da estrela, durante a explosão, vai gerar a energia necessária para que surjam elementos de massa superior ao Ferro. Este é o mecanismo pelo qual o Universo é enriquecido com os elementos da tabela periódica que não existiam no Universo primordial, constituído basicamente por hidrogénio e hélio e uma pequena quantidade de lítio. Como dizia Carl Sagan, somos todos filhos das estrelas.

As estrelas de neutrões possuem um raio de cerca de 10 km, em geral possuem massas da ordem de 1,5 MSol, ou seja, uma colher de chá do material duma estrela de neutrões pesaria aqui na Terra algumas centenas de milhões de toneladas! A primeira detecção duma estrela de neutrões foi feita pela inglesa, então estudante, Jocelyn Bell em 1967. Ela descobriu um sinal de rádio no céu que pulsava com uma periodicidade e precisão tão espantosa que ainda pensou que podia ser uma mensagem extraterrestre!

No entanto, confirmou-se logo que o tal sinal era produzido por uma estrela de neutrões. Estes objectos têm campos magnéticos muito intensos (de facto têm os campos magnéticos mais intensos que se podem medir do Universo, cerca de um bilião de vezes mais forte do que o da Terra) que fazem os electrões vibrarem, emitindo radiação na forma de ondas de rádio. As estrelas de neutrões que apresentam essa característica são conhecidas como pulsares. São objectos que rodam muito rapidamente e os seus pulsos tem uma periodicidade que pode chegar ao milissegundo, o efeito final é semelhante aos sinais luminosos emitidos por um farol. Nem todas as estrelas de neutrões se comportam como pulsares.



Crédito: NUCLIO (Cristina Zurita). Esquema que mostra o mecanismo de emissão dum pulsar. Em algumas estrelas de neutrões os intensos campos magnéticos e a rápida rotação fazem com que sejam emitidas partículas carregadas (electrões e protões fundamentalmente) que emitem radiação electromagnética: ondas de rádio, raios-X, raios gama, radiação na banda do óptico e ultravioleta. A radiação é emitida na direcção do eixo magnético na forma de um feixe bilateral. Em geral o eixo magnético não coincide com o eixo de rotação do pulsar e visto a partir da Terra, os feixes são detectados como pulsos, um comportamento semelhante ao de um farol.


Buracos negros

Se os restos da estrela progenitora tiverem uma massa superior a 3 MSol, o que parece acontecer se a estrela tiver originalmente mais do que 40 MSol (a relação entre a massa inicial e a massa do corpo remanescente ainda não está bem estabelecida), então nem mesmo a pressão de degenerescência dos neutrões pode travar o colapso e a estrela contrai-se sob a acção do seu próprio campo gravítico dando origem a um buraco negro.

Um buraco negro é por definição uma região do universo de onde nada pode sair, nem mesmo a luz. Esta propriedade fez com que estes objectos fossem baptizados como “buracos negros” pelo físico teórico John Wheeler em 1967. Na verdade a existência de objectos onde a velocidade de escape seria superior a velocidade da luz (ou seja a velocidade mínima necessária para que um objecto qualquer possa escapar à atracção gravitacional desse corpo) já tinha sido prevista em 1783 por um sacerdote inglês, John Michell e em 1796 por Pierre Simon Laplace, ambos baseados na mecânica newtoniana. A grande diferença é que naquela altura ainda não se sabia que a velocidade da luz era um valor limite.

A velocidade de escape da Terra é de 40.248 km/h, já há várias décadas atingida pela tecnologia aeroespacial. Contudo, se a densidade do planeta aumentasse muito, ou seja, se comprimíssemos o planeta até um raio de cerca de 10 mm então a velocidade de escape aumentaria e ultrapassaria os 300.000 km/s, uma velocidade superior à da luz e portanto inatingível.

No âmbito da Teoria da Relatividade Geral a existência dos buracos negros surge como um resultado marginal de uma das mais importantes soluções das equações de Einstein, a solução descoberta em 1915 por Karl Schwarzschild. Esta solução descreve uma região de vácuo externa a um corpo estático e esférico. Permite estudar o Sistema Solar e foi importante para a confirmação de algumas previsões da teoria de Einstein. Essa solução prevê que um corpo que se contraia para um valor inferior a um determinado raio, o raio de Schwarzschild (também conhecido como horizonte de eventos), transforma-se num buraco negro. Em quilómetros esse valor é equivalente a 3 vezes a massa da estrela em unidades de massas solares. Para quem gosta de fórmulas, aqui vai:





ou seja, aproximadamente a três vezes a massa da estrela em unidades de massas solares e o resultado é dado em km. Um buraco negro estelar típico tem uma massa de aproximadamente 10 MSol e um horizonte de eventos de apenas 30 km.

A maior parte dos candidatos a buracos negros e estrelas de neutrões descobertos encontram-se em sistemas binários compostos por uma estrela de tipo espectral conhecido e um objecto compacto. O intenso campo gravítico destes objectos vai atrair o material da estrela companheira que forma um disco de acreção em torno do objecto compacto. As regiões mais internas do disco estão sujeitas a um campo gravítico mais intenso e emitem radiação mais energética, na banda dos raios-X. Essa é uma das formas mais eficientes para descobrirmos estes objectos, mas não é a única. Esse será justamente o tema tratado no próximo tópico: Como se detectam os buracos negros?