O que fez Galileu? (I)


O que é que há de tão especial no ano 2009?

Esta pergunta faz todo o sentido, mas tem uma resposta simples. Comecemos por recuar 400 anos, a partir de 2009; chegaremos a 1609, como é óbvio. O que aconteceu em 1609?

Nesse ano, um polémico professor de matemática, astronomia e fortificações, leccionando na prestigiada Universidade de Pádua, fez importantes descobertas, tantas e tão valiosas que abalaram o mundo. Chamava-se Galileu Galilei e tinha nascido em 1564, em Pisa, na Itália. Diz-se que ninguém descobriu tanto, em tão pouco tempo, como ele.

A maior parte dos sábios desta época pensava que o Sol, todos os planetas e até mesmo as longínquas estrelas orbitavam em torno da Terra, suposta móvel e no centro do Universo. Era o chamado sistema geocêntrico porque, em grego, geo significa Terra. E isto, apesar de Nicolau Copérnico ter publicado em 1543, vinte e um anos antes de Galileu nascer, um livro que fundamentava a hipótese de os astros orbitarem em torno do Sol e não da Terra (sistema heliocêntrico). Porém, não havia provas claras que apoiassem o modelo heliocêntrico. Galileu iria encontrar algumas.


Retrato de Galileu Galilei, atribuído a Tintoretto, pintado aproximadamente em 1606, data em que o ilustre físico, matemático e astrónomo tinha 42 anos.
O que fez Galileu?

Corria a Primavera de 1609 quando Galileu Galilei ouviu dizer que um holandês tinha inventado um instrumento que permitia ver os objectos afastados como se eles estivessem próximos. Nunca viu o invento holandês. Tudo o que chegou ao seu conhecimento foi que esse instrumento era constituído por um tubo com uma lente em cada extremidade.

Aplicando-se intensamente na sua oficina-laboratório, Galileu constrói em pouco tempo um instrumento com a mesma função, capaz de aproximar os objectos seis vezes (6x). Esforçando-se mais ainda, constrói telescópios cada vez melhores, já superiores ao do holandês, capazes de aproximar os objectos 8x. Em Agosto apresenta este último telescópio aos Doges de Veneza e a outros notáveis, mostrando navios ao largo, invisíveis a olho nu e a torre de uma igreja muito distante. Quase todos ficam maravilhados, embora alguns não acreditem no que vêem. Galileu continua a aperfeiçoar os telescópios e chega a produzir instrumentos capazes de aproximar 20x. Mais tarde consegue 32x.

Em Novembro de 1609 Galileu começa a utilizar os seus telescópios para observar os astros. Descobre que a Lua tem crateras e montanhas, o que contradiz os seguidores de Aristóteles que imaginavam a Lua cristalina a perfeita. Descobre também que ela não tem luz própria (o que na época suscitava dúvidas). O telescópio revela-lhe ainda muitos milhares de estrelas invisíveis a olho nu e que ninguém suspeitava que existiam. A Via Láctea dissolve-se numa multidão de estrelas e deixa de ser a hipotética emanação celeste, e sublunar, que os antigos supunham.

Assestando o telescópio sobre o planeta Júpiter, Galileu concluiu, após algumas observações sucessivas, que quatro pequenas luas giram em volta deste planeta, tal como a nossa Lua gira em volta da Terra. Afinal, pensou Galileu, pode haver outros centros de movimento, sem ser a Terra. Essa descoberta revelou-lhe que o Sistema do Mundo talvez não fosse geocêntrico (naquele tempo chamava-se "Sistema do Mundo" ao que hoje chamamos Universo"). Entusiasmado, publicou em Março de 1610 um livro imortal, chamado "Mensageiro Celeste" (o título original era Sidereus Nuncius). Nele descreve as maravilhas que observou nos céus, mas com isso começa também a criar inimigos. Continuando as suas observações telescópicas, descobre, em Julho de 1610 que Saturno tem "saliências", uma de cada lado, dando-lhe a ideia de um "planeta com orelhas" (não conseguiu ver os anéis que hoje conhecemos, porque o seu telescópio não era suficientemente poderoso para isso). E no final desse ano, descobre que o planeta Vénus passa por um ciclo completo de fases, como a Lua, o que só é possível se Vénus e a Terra orbitarem o Sol, em conformidade com o modelo heliocêntrico. E em contradição com o modelo geocêntrico...

Em 1612 observa o Sol, pelo método da projecção, um método seguro idealizado pelo seu amigo Benedetto Castelli. Galileu sabia que é muito perigoso olhar para o Sol através de telescópios. Outros observadores observaram o Sol e cometeram esse erro, causando danos irremediáveis aos seus olhos... Mas, voltando a Galileu, ele descobriu que o Sol apresenta manchas à sua superfície, e que essas manchas dão, pouco a pouco, a volta ao Sol. Isso comprova que o Sol também tem movimento de rotação, que (segundo Galileu) se completa em "pouco menos de um mês".

É claro que todas estas descobertas desagradaram à Igreja Católica, grande defensora do geocentrismo. A comprovação de que a superfície lunar é acidentada, a revelação de imensas estrelas que não se viam a olho nu, as luas de Júpiter, as fases de Vénus e até as manchas solares e a rotação do Sol, contrariando as suposições da época, inspiraram inimizades da maior parte do clero. A Igreja via nessas descobertas um argumento e uma ameaça contra o geocentrismo e contra alguns dos seus fundamentos teológicos. E, para mais, a leitura literal da Bíblia, sem interpretação adequada, parecia impor a imobilidade da Terra e o movimento do Sol à nossa volta.