O Sol


Visto da Terra, o Sol parece mover-se sobre uma circunferência, a eclíptica, que se convencionou dividir em doze regiões identificadas pelos signos do Zodíaco. Começando no ponto vernal (o ponto da eclíptica ocupado pelo Sol no momento do equinócio da Primavera), cada signo ocupa assim uma região de 30º. A região da eclíptica identificada com um determinado signo não coincide no entanto com a constelação com o mesmo nome. Tal desacerto deve-se ao facto de as constelações se deslocarem para oriente relativamente aos signos, devido ao fenómeno da precessão dos equinócios.



As duas coroas circulares exteriores definem respectivamente os signos (coroa exterior) e as constelações (coroa interior). O ponto vernal fica na fronteira dos signos Peixes e Carneiro, mas cai sobre a constelação de Peixes.


O fenómeno da precessão dos equinócios era conhecido no tempo de Camões. Na Chronographia de Jerónimo Chaves (1576) é mesmo possível conhecer tanto a entrada no signo, como a entrada na constelação (imagem):
Entra el sol en el signo de Virgo communmente a los quatorze de Agosto, comiença a entrar en la imagen al fin de Agosto.
                        in Chronographia, Jerónimo Chaves (1576)


Grosa do Dr. Pero Nunes,
Caça e mala forão frias,
Nem foi pronostico fraco,
Estando inda em pexe os dias,
E o carneiro em Zodiáco.

Então sine Cerere et Baccho
Frio e sêcco Velarinho,
Tal foi a caça e o caminho.
Sonetos a D. Guiomar, filha do doutor Pedro Nunes sobre a Cutilada,


Gil Neves de Leão, Coimbra, 1826
Neste poema, escrito em 1826, identificamos uma referência ao efeito da precessão dos equinócios.

No dia em questão, o Sol está sobre o signo de Carneiro mas sobre a constelação de Peixes.


 

N’Os Lusíadas, quando Camões menciona a posição do Sol, ele refere-se sempre aos signos e não às constelações.

Olha estoutro debaxo, que esmaltado
De corpos lisos anda e radiantes,
Que também nele tem curso ordenado
E nos seus axes correm cintilantes.
Bem vês como se veste e faz ornado
Co largo Cinto de ouro, que estelantes
Animais doze traz afigurados,
Apousentos de Febo limitados.

Canto X, 87
O Cinto de ouro é o Zodíaco.

Aos signos chamava-se também casas do Sol, aqui apousentos de Febo (Sol)


 

Os animais doze são as doze regiões de 30º que o Sol vai ocupando sucessivamente ao longo dos doze meses do ano sobre a eclíptica (Cinto de ouro) representada na figura seguinte.



Gravura extraida de Atlas Coelestis seu Harmonica Macrocosmica, de Andreas Cellarius, Amesterdão, 1661.


As datas relativas à entrada do Sol em cada um dos signos no tempo de Camões são as que constam no seguinte quadro.

Aries11 de Março
Taurus11 de Abril
Gemini12 de Maio
Cancer12 de Junho
Leo14 de Julho
Virgo14 de Agosto
Libra14 de Setembro
Scorpius14 de Outubro
Sagittarius13 de Novembro
Capricornus12 de Dezembro
Aquarius11 de Janeiro
Pisces10 de Fevereiro


Datas das entradas do Sol em cada um dos signos, segundo o Reportorio de Valentim Fernandes (1518).

Estas datas têm uma antecipação de 10 dias em relação às que vigoram actualmente porque em 1582 foram suprimidos dez dias, na sequência da entrada em vigor do Calendário Gregoriano.

Exemplo 1: A Batalha de Aljubarrota

Respondem as trombetas mensageiras,
Pífaros sibilantes e atambores;
Alférezes volteiam as bandeiras,
Que variadas são de muitas cores.
Era no seco tempo que nas eiras
Ceres o fruto deixa aos lavradores;
Entra em Astreia o sol, no mês de Agosto;
Baco das uvas tira o doce mosto.

Canto IV, 27
Astreia é um dos nomes dados à constelação de Virgem.

No tempo de Camões, o Sol entrava em Virgem no dia 14 de Agosto, precisamente a data da batalha de Aljubarrota: 14 de Agosto de 1385.


 

Exemplo 2: A largada de Lisboa

Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeio truculento;

E o Mundo, que co tempo se consume,
Na seista idade andava, enfermo e lento.
Nela vê, como tinha por costume,
Cursos do Sol catorze vezes cento,
Com mais noventa e sete, em que corria,
Quando no mar a armada se estendia.

Canto V, 2
Um dos doze trabalhos de Hércules era matar o leão de Nemeia. O animal nemeio é portanto o signo de Leão, que entrava, no tempo de Camões, a 14 de Julho.

A largada de Lisboa teve lugar a 8 de Julho de 1497.


 

Exemplo 3: Travessia do Canal de Moçambique

Enquanto isto se passa na fermosa
Casa etérea do Olimpo omnipotente,
Cortava o mar a gente belicosa
Já lá da banda do Austro e do Oriente,
Entre a costa Etiópica e a famosa
Ilha de São Lourenço; e o Sol ardente
Queimava então os Deuses, que Tifeu
Co temor grande em pexes converteu.

Canto I, 42
No tempo de Camões, Etiópia era toda a África e a Ilha de São Lourenço é hoje Madagáscar.


 

Esta estância descreve a viagem da armada desde o dia em que deixou o rio dos Bons Sinais (24 de Fevereiro) até à chegada a Moçambique (2 de Março). Os portugueses estavam já nas águas do sudeste africano, entre a costa de África e a ilha de São Lourenço, ou seja, no canal de Moçambique. Toda esta parte da viagem se deu de facto sob o signo de Peixes.

Camões serve-se aqui de uma lenda da mitologia, segundo a qual o gigante Tifeu terá surpreendido Vénus e Cupido, que se encontravam nus à beira do rio Eufrates, e que, assustados, se transformaram em peixes e nadaram para a outra margem.

Exemplo 4: Chegada da armada a Melinde

Era no tempo alegre, quando entrava
No roubador de Europa a luz Febeia,
Quando um e o outro corno lhe aquentava,

E Flora derramava o de Amalteia.
A memória do dia renovava
O pressuroso Sol, que o Céu rodeia,
Em que Aquele, a quem tudo está sujeito,
O selo pôs a quanto tinha feito;

Canto II, 72
Camões serve-se de mais uma lenda da mitologia para datar a chegada da armada a Melinde, em Abril de 1498.

Segundo a lenda, Júpiter transformou-se num belo touro branco para raptar a princesa Europa.


 

Em 1498, a luz febea (Sol) entrava no roubador de Europa (Touro) em meados de Abril. De facto, a chegada a Melinde deu-se a 15 de Abril de 1498, domingo de Páscoa.