Ondas Gravitacionais: Um olhar indiscreto sobre a vida privada do Universo

As ondas gravitacionais provocam uma distorção no espaço-tempo. Crédito: JPL/NASA.
Da mesma maneira que ao cair num lago um seixo gera uma série de ondas com origem no ponto onde a superfície da água é inicialmente perturbada, o movimento de corpos massivos num campo gravitacional gera à sua volta pequenas perturbações no espaço-tempo. É a estas pequenas perturbações que damos o nome de ondas gravitacionais (OG). Usando a mesma analogia é fácil perceber que as características das OG dependem dos detalhes do processo que lhes deu origem: tal como um seixo grande e pesado não gera exactamente o mesmo padrão à superfície do lago que um pequeno grão de areia, uma supernova ou uma colisão de dois buracos negros produzem OG com características diferentes. Em geral, quanto mais violento é o processo maior é a amplitude das OG produzidas. Numa situação ideal ao medirmos as características (frequências e amplitudes, por exemplo) das OG que observamos em cada instante podemos determinar os fenómenos que lhes deram origem e assim aprender mais sobre o universo que nos rodeia.

Mais ainda, se substituirmos a água por um fluido mais viscoso, óleo por exemplo (se tal idéia perturba os leitores mais ecologicamente motivados podemos substituir o lago por uma tina num laboratório...) as ondas produzidas serão amortecidas durante o seu trajecto até ao observador de um modo muito mais drástico do que no caso da água. Podemos então dizer que não só a ondulação à superfície do lago depende dos detalhes do processo que está na sua origem, mas também do meio em que se propaga. Conhecendo os detalhes dos processos que produziram a ondulação podemos inferir as propriedades físicas do meio em que se dá a propagação! Embora a extensão da analogia se revele neste caso menos directa pois como veremos ao longo das próximas semanas a interacção das OG com o meio em que se propagam é de tal modo fraca que a influência deste nas ondas que atingem o observador é practicamente irrelevante, no caso das OG de origem cosmológica o tipo de matéria que domina a dinâmica do Universo a cada instante determina o espectro do fundo cosmológico de ondas gravitacionais. Assim, podemos também neste caso dizer que a observação do fundo cosmológico de ondas gravitacionais nos fornecerá indicações preciosas sobre a constituição do Universo desde os primeiros instantes após o Big Bang.

Ao longo das próximas semanas tentarei abordar de uma forma genérica e acessível alguns dos pontos que considero essenciais no domínio das ondas gravitacionais. Certamente que muitos tópicos interessantes ficarão por abordar e quase certamente o tratamento não será equilibrado e reflectirá de uma forma muito clara os meus interesses de investigacção. Todavia, se conseguir transmitir aos leitores parte do fascínio que este assunto sobre mim exerce e tem exercido sobre gerações de cientistas, considero que o meu esforço não terá sido em vão!

Ao longo de cinco semanas vamos apresentar os seguintes temas:


Autoria:

Luís E. Mendes
Imperial College