Figura 4: O Divino Monocórdio, de Robert Fludd. No Divino Monocórdio de Fludd (1574-1637), filósofo inglês, a nota correspondente a cada planeta é associada a uma divisão da corda do monocórdio. Tal como na descrição de Cícero, também neste modelo o som associado a cada planeta é tanto mais agudo quanto maior for a distância do planeta à Terra.
Desde Platão (427-347 a. C.) até à Idade Média, o conhecimento dividia-se em duas grandes áreas: o Trivium (constituído por gramática, dialéctica e retórica), e o Quadrivium, constituído pela música (disciplina da relação do número com o som), pela aritmética (disciplina das quantidades absolutas numeráveis), pela geometria (disciplina da magnitude imóvel das formas) e pela astronomia (disciplina do curso do movimento dos corpos celestes). Era assim natural relacionar a música com a astronomia ou a matemática, olhando para a escala de sete sons como um problema cósmico, ou para a astronomia como uma teoria da música celeste.

Pitágoras (c. 572- c. 497 a. C.) distinguia entre três tipos de música, que se mantiveram durante toda a Idade Média. Eram a musica instrumentalis, a música produzida por instrumentos musicais (a música cantada fazia parte desta classe, sendo as cordas vocais consideradas um instrumento musical); a musica humana, a música inaudível produzida por cada ser humano, indicativa da ressonância entre corpo e alma, e ainda a musica mundana, a música produzida pelo cosmos, mais tarde conhecida por música das esferas.

Atribui-se a Pitágoras a descoberta da base aritmética dos intervalos musicais, ou seja, a relação entre a frequência das vibrações e a altura dos sons. Aplicando esse conhecimento ao movimento dos astros e relacionando as distâncias entre as esferas celestes com os intervalos musicais, os gregos atribuíam notas musicais aos astros, tentando identificar a melodia associada à musica mundana.

Para explicar porque razão não conseguimos ouvir a musica mundana, Aristóteles argumentava dizendo que a ouvimos desde o momento do nascimento, nunca deixando de a ouvir, e que por esta razão não temos a capacidade de distinguir este som do seu oposto, o silêncio.

Que som é este, tão prodigioso e doce, que me enche os ouvidos? É o som que, ligado a espaços desiguais mas racionalmente divididos numa proporção específica, é produzido pela vibração e pelo movimento das próprias esferas, e, combinando notas agudas e graves, gera diversas harmonias; com efeito, movimentos tão prodigiosos não podem ser impulsionados no silêncio. Assim, a órbita mais alta do céu, que contém a esfera estrelada, cuja rotação é mais rápida, move-se com um som agudo e agitado, enquanto a da Lua e a dos corpos inferiores se move com um som mais grave. Porque a Terra, a nona das esferas, estática, permanece fixa num lugar, no centro do universo.
Cícero (Séc. I a.C.) [3]