Frank Drake e a sua famosa equação que tenta calcular o número de civilizações tecnológicas na nossa galáxia com a possibilidade de estabelecerem comunicações entre si. Crédito: SETI Institute
Existe um consenso entre os astrobiólogos de que os locais onde a vida surgiu parecem ser frequentes em diferentes partes do universo. A matéria-prima para a vida e as moléculas orgânicas aparecem-nos por todo o lado, desde alguns meteoritos primitivos, nos cometas, nos planetas gigantes, em muitos satélites desses planetas e no espaço interplanetário. O espaço entre as estrelas e mesmo as nuvens que estão a originar estrelas e planetas estão repletos de água, de matéria orgânica e energia necessária às sínteses pré-bióticas. Claro que isto não é o mesmo que afirmar que a vida existe nesses locais, mas considerando a imensidão do espaço, as condições em que a vida surgiu na Terra e os ambientes favoráveis e convidativos que existem será insensato pensar que a vida só na Terra encontrou as condições ideais para se desenvolver. Mas que dizer de formas evoluídas de vida ? Vida inteligente e vida que tenha a capacidade de comunicar com a nossa espécie ?

Na segunda metade do século XX criou-se a ideia de que a vida inteligente era quase uma inevitabilidade cósmica e muitos calcularam mesmo quantas civilizações extraterrestres existiriam na nossa galáxia. Imbuídos de um optimismo que Carl Sagan (1934-1996) tanto ajudou a criar, várias foram as propostas para o número de planetas habitados e um cálculo muito lógico é apresentado pelo cientista, escritor de ficção científica e divulgador Isaac Asimov (1920-1992) no seu livro "Extraterrestrial Civilizations". Depois de uma aturada análise dos factores que influenciam o aparecimento de planetas, vida, vida inteligente e civilizações tecnológicas do tipo da nossa, Asimov chega à conclusão que "o número de planetas na nossa galáxia nas quais existem hoje civilizações tecnológicas é de 530 mil". O raciocínio de Asimov baseia-se na análise dos parâmetros de uma fórmula para o cálculo do número de civilizações comunicativas apresentada pelo astrónomo Frank Drake, hoje conhecida como Fórmula de Drake e que tem a seguinte expressão:

N = R* x fp x ne x fe x fl x fc x L

em que R* é a velocidade média de formação de estrelas; fp é a fracção de planetas; ne representa o número médio de planetas em cada sistema planetário com condições ideais para a origem e evolução de vida; fe corresponde à fracção de planetas em que a vida pode realmente desenvolver-se; fl a fracção de planetas possuidores de vida, onde se tem desenvolvido vida inteligente; fc a fracção de planetas onde há vida inteligente, que pode dar origem a uma civilização comunicativa; L o tempo de existência de uma civilização técnica.

De todos os factores apresentados, os astrónomos apenas tem um real conhecimento de R* das estatísticas estelares e observações astrofísicas, e, nos últimos tempos, algo se pode dizer da fracção de estrelas com planetas. Todos os outros factores são verdadeiras incógnitas e é curioso ver as diferentes e mais variadas aproximações a cada um deles. Em resumo, pode dizer-se que para uma galáxia do tipo da Via Láctea N, o número de civilizações tecnologicamente avançadas com capacidade de comunicar connosco pode variar entre vários milhões e um - a nossa.

Por estas razões os astrónomos encetaram, desde 1960, um programa de procura e escuta de possíveis civilizações extraterrestres, uma iniciativa que tem hoje continuidade no SETI Institute, uma entidade não governamental que coordena diferentes projectos de procura de sinais de prováveis civilizações extraterrestres. É um programa ingrato, porém entusiasmante e necessário. Como já alguém afirmou a propósito do "Search for Extraterrestrial Intelligence", "é como procurar uma agulha num palheiro sem saber se a agulha lá está".

Uma coisa porém que dá que pensar a muita gente é porque razão, se há noutros mundos seres superiores, eles não comunicam connosco nem nunca nos visitam. Seria de esperar, pelo menos, que tivessem deixado sinais das suas visitas. Estaremos sós no Universo ? Onde está toda a gente ?

Esta foi a pergunta que há pouco mais de meio século o físico Enrico Fermi (1901-1954), Prémio Nobel da Física, inteligentemente colocou. Depois da bomba atómica, no início da escaldante Guerra Fria e na paranóia norte-americana dos discos voadores, esta era uma pergunta inevitável. Ficou conhecida como Paradoxo de Fermi e desde que foi apresentada centenas de respostas têm sido apresentadas, embora nenhuma verdadeiramente satisfatória.

Será que as civilizações, por um fanatismo social ou religioso, colapso económico ou esgotamento das reservas energéticas e alimentares, guerras, epidemias ou outras catástrofes se destroem ? Será que a vida forçosamente, noutros locais, evoluiu no sentido da inteligência e de formas semelhantes à nossa, com curiosidade, o gosto pela exploração espacial e o interesse em contactar eventuais extraterrestres ?

Para alguns, mais próximos das paraciências, a questão já tem resposta: os ET's andam por aí, já nos visitaram, quem sabe até favoreceram o nosso aparecimento, mas mantêm uma postura mais ou menos discreta. Muito bem: e onde estão as provas ? Se queremos brincar com o assunto é melhor dizer que os extraterrestres existem, escutam as nossas contínuas e diversificadas emissões televisivas e, com efeito, perante a quantidade de lixo televisivo e atrocidades que são enviadas para o "éter", eles não nos acham de forma nenhuma inteligentes e dignos de uma visita, uma sugestão que eu apoio, se é que há extraterrestres para nos escutarem.

Os megaimpactos de corpos cósmicos, como o que ocorreu há 65 milhões no final do Cretácico, condicionaram a evolução da vida na Terra. Se este não tivesse acontecido, o mundo seria ocupado pelos descendentes dos dinossauros. Crédito: NASA/ARC
Em 2000, dois astrobiólogos da Universidade de Washington, o paleontólogo Peter Ward e o astrofísico Donald Brownlee, lançaram um polémico e revolucionário livro ("Rare Earth") em que explicavam porque a vida complexa é pouco comum no universo. Baseados no único exemplo que temos à disposição - a Terra - aqueles estudiosos, esquematizaram um grupo de requisitos raros de acontecerem no conjunto, mas necessários para que a vida pudesse atingir formas superiores como a nossa. Lançaram a teoria da Terra Rara que constitui uma mudança de paradigma num assunto que tanta discussão tem gerado.

A tese daqueles cientistas é baseada no amplo conhecimento da história da Terra e nas exigências cósmicas que tornam difícil o desenvolvimento da vida para formas mais complexas que as simples bactérias. Embora discutam os amplos limites em que a vida simples pode adaptar-se - os extremófilos outrora inimagináveis na Terra e que podem ser frequentes por todo o universo e mesmo no nosso sistema solar - Ward e Brownlee lembram as condicionantes e contingências para que a vida se desenvolva para formas mais complexas.

Há um conjunto de exigências cósmicas e terrestres que tornam difíceis a vida deixar a forma microbiana. E muito menos, obtermos um "filme" da vida semelhante ao que se passou na Terra. Só nos últimos tempos, fruto do acumular de conhecimentos geológicos e astronómicos, é possível aos cientistas apreciar os factores raros que permitiram cooperar para tornar a Terra uma casa ideal para a vida complexa. Entre muitos outros, a órbita estável de Júpiter, a presença da Lua, os megaimpactos de cometas e asteróides e as extinções em massa, a Tectónica de Placas, a quantidade ideal de água e a posição correcta do planeta, não apenas no sistema solar, mas na Galáxia. Seria necessária a análise de todos estes factores, impossível de aqui ser feita com pormenor, mas os geocientistas sabem bem como a história da vida na Terra e o aparecimento de espécies mais complexas, algo mais que as simples bactérias, é um fenómeno difícil e contingêncial.

Falemos num caso muito interessante, designado por "explosão do Câmbrico". Há 545 milhões de anos, dá-se na Terra uma impressionante explosão da vida, por muitos designada o "big bang" da evolução animal. O que se passou nessa altura ? Não se sabe ao certo, mas por essa época, as rochas registam uma variada e complexa fauna de invertebrados. Os mais vulgares eram talvez as trilobites (artrópodes que apresentam o corpo trilobado longitudinalmente e transversalmente). Alguns jazigos de fósseis dessa altura, como os famosos xistos de Burgess, no Canadá, apresentam estranhas criaturas fossilizadas que hoje estão completamente extintas. Outros artrópodes, pólipos, holotúrias e mais de 50 mil espécies foram já descritos.

A sobrevivência de Pikaia, um cordado dos tempos câmbricos que está na ascendência da nossa espécie, foi uma simples contingência da história da Terra. Se Pikaia se tivesse extinto nós certamente não estaríamos aqui. Crédito: Adaptado de Gould (1989)
A verdade é que quase todos esses seres do câmbrico desapareceram misteriosamente. Entre outros, houve um muito especial, porém, que escapou e evoluiu rapidamente. Chamava-se "Pikaia" e é o cordado mais antigo que se conhece. Foi uma das inúmeras hipóteses que na altura poderiam ter resultado. Se "Pikaia" não tivesse sobrevivido, nós estávamos fora da história futura - todos nós, desde o tubarão, o beija-flor, o chimpanzé, etc.. A sobrevivência de "Pikaia" foi uma simples contingência, um acaso da história da vida no nosso Mundo. Para o paleontólogo Stephen Jay Gould (1941-2002), "o facto de a evolução ter incluído o 'Homo sapiens' é uma maravilha, pois uma cadeia de eventos tão curiosa, provavelmente, nunca ocorreria de novo".

Outro argumento em favor da ideia da Terra Rara tem sido a descoberta de novos sistemas planetários. Desde que em 1995, os astrónomos Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório de Geneva anunciaram a descoberta de um planeta em torno da estrela 51 Pegasi, as revelações de outros planetas, em torno de estrelas com características semelhantes às do Sol, não pararam de surgir. São conhecidos para cima de 100 estrelas acompanhadas de planetas. Estes aparecem geralmente em estrelas com características muito idênticas às do nosso Sol e com uma atmosfera estelar enriquecida em elementos pesados, quando comparada com a maioria das estrelas da vizinhança solar. Esta indicação é um facto importante não apenas para a continuação das buscas futuras mas também para nos ajudar a compreender como se formam os sistemas planetários.

Planetas gasosos em órbitas muito próximo das estrelas parece ser a mais a regra dos novos sistemas planetários que desde 1995 vêm sendo descobertos. Crédito: David Aguilar. Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics
Com base em modelos teóricos, análise de discos de poeira em torno de outras estrelas e com as informações dos meteoritos, os astrónomos sabem como o nosso sistema solar se formou a partir de uma nuvem interestelar enriquecida em elementos pesados e que por rotação e achatamento para o plano equatorial deu origem aos diferentes corpos (planetas, satélites, asteróides e cometas) que hoje observamos no Sistema Solar. Os corpos mais refractários (com minerais e ligas de metais) encontram-se na proximidade do Sol e os planetas gigantes e gasosos ocupam as zonas mais distantes. Há uma lógica para que isto assim seja: quanto mais nos afastamos do Sol, menores as temperaturas e consequentemente a razão da distribuição atrás exposta.

Esta particularidade, todavia, não tem sido notada nos novos sistemas planetários. Também ainda não existe tecnologia que permita detectar planetas do tipo terrestre. Só daqui por alguns anos, com o recurso a novos métodos de observação e telescópios que trabalharão em interferometria, será possível inferir da existência de corpos com 10 vezes a massa da Terra e daí ficar com melhores ideias sobre como os sistemas planetários se formam.

O grande problema com os novos sistemas planetários - com um, dois ou três planetas, em torno da estrela central - é que os grandes planetas estão situados bem perto da estrela, às vezes em órbitas que por vezes caberiam dentro da órbita de Mercúrio em torno do Sol. Para além da dificuldade em explicar estas órbitas, a sua verificação deixa pouco ou nenhum espaço para a presença de corpos mais pequenos, com uma superfície sólida e com água líquida.

Se estas descobertas são a norma - como tudo até agora parece apontar - então o nosso sistema planetário é uma excepção. Mas se há uma excepção é bem possível que existam muitas mais...

O Projecto Darwin da Agência Espacial Europeia que certamente possibilitará no futuro a descoberta de planetas tipo terrestre.Crédito: ESA
Como seria de esperar a teoria da Terra Rara, de Ward e Brownlee esteve nos últimos anos sujeita a um intenso bombardeamento intelectual, principalmente por parte de astrónomos e biólogos. Para o matemático Ian Stewart e o biólogo Jack Cohen, as ideias da Terra Rara mostram um certo provincianismo biológico, uma espécie de recusa perante as possibilidades que a vida e a sua evolução podem assumir. Formas bem diferentes e inesperadas de sistemas de informação e replicação podem existir no universo. Formas com bioquímicas de alternativa, com solventes como o amoníaco, uma química à base do silício, ou criaturas ainda mais exóticas, cuja existência poderá depender da conversão directa de radiação. No fundo, sistemas independentes do carbono e do código genético vivendo no vazio do espaço cósmico, mesmo até independentes da própria matéria. Ficção científica ? Os dois autores, conhecidos cientistas e investigadores nas ciências da complexidade, dizem que não. Mas a existirem essas estranhas formas de vida caberiam na categoria da vida-como-nós-não-a-conhecemos. E isso, obviamente ultrapassa o próprio domínio da astrobiologia, o estudo da vida no universo, da vida-tal-como-nós-a-conhecemos. E para estes cientistas um olhar para a vida no cosmos deve seguir os princípios da xenobiologia, a biologia do estranho, quiçá um capítulo futuro da astrobiologia e que foge inteiramente aos métodos científicos de hoje.

O bioquímico J. B. Haldane (1892-1964) afirmou um dia que "o universo não é mais estranho do que imaginamos, mas mais estranho do que pudemos imaginar". Os actuais estudos nesta fervilhante área do conhecimento que é a astrobiologia assim o mostram. Uma área em que os temas abraçam já os currículos de prestigiadas universidades internacionais, com dinâmicos e interdisciplinares centros fazendo investigação de ponta ligada às grandes agências espaciais. Uma ciência que terá certamente um futuro muito promissor.