"Tínhamos o céu por cima de nós, constelado de estrelas e costumávamo-nos deitar de costas a olhar para elas e discutiamos se elas tinham sido feitas, ou se tinham simplesmente aparecido."
Mark Twain, Huckleberry Finn

Figura 7 - Fantásticas colunas de gás e poeira na nebulosa da Águia, sugestivamente baptizadas aquando da obtenção desta imagem pelo Hubble Space Telescope por "Pilares da Criação". Estrelas jovens iluminam a parte superior da imagem pondo em evidência a existência de casulos de gás onde se pensa que se estão a formar estrelas. Crédito: Jeff Hester & Paul Scowen, Arizona State University, NASA.
Quando olhamos para as estrelas, podemos ser levados a pensar que elas sempre existiram e que são imutáveis. Sempre ali estiveram e hão-de estar. No entanto, esta percepção é uma ilusão e resulta da enorme diferença que existe entre as escalas de tempo que regem a nossa vida e a vida das estrelas. De facto, hoje é bem sabido que as estrelas nascem, vivem e morrem, tal como nós. Mas compreender a forma como isto acontece não é tarefa fácil. Perceber todo o processo evolutivo de uma estrela, que demora, em média, cerca de 10 mil milhões de anos a ocorrer, requer o uso de técnicas observacionais avançadas que só nas últimas décadas se tornaram disponíveis. Além disso, os astrónomos têm acesso apenas a uma pequena fracção da vida de uma estrela. Como compreender e desvendar os mistérios que regem a formação, evolução e morte das estrelas? A solução adoptada pelo astrónomos consiste em estudar diferentes estrelas em diferentes estágios de evolução, desde aquelas que ainda se encontram no seu casulo embrionário prestes a nascer, até às mais velhas e já condenadas a uma morte certa.

Observações realizadas durante as últimas décadas permitiram concluir que as estrelas nascem da fragmentação e colapso gravitacional das nuvens de gás e poeira que existem no seio das galáxias. Terá sido a fragmentação e colapso de uma nuvem molecular que terá dado origem ao nosso próprio Sistema Solar há cerca de 4500 milhões de anos atrás. Nessa altura, parte de uma nuvem molecular da nossa galáxia terá ficado instável e terá começado a colapsar sob acção da gravidade. Os factores que terão despoletado esse colapso gravitacional não são conhecidos, mas a explosão de uma supernova na vizinhança da nuvem é uma das hipóteses possíveis, tal como veremos mais à frente.

A figura seguinte mostra uma imagem obtida com o Very Large Telescope (VLT) do European Southern Observatory (ESO) da região central da famosa nebulosa de Orion, também conhecida por M42. Na imagem são visíveis inúmeras estrelas jovens ainda rodeadas por gás e poeira, pelo que esta zona é conhecida como sendo uma verdadeira maternidade de estrelas.

Figura 8 - Aglomerado do Trapézio na Nebulosa de Orion. Crédito: Mark McCaughrean & ESO.
A partir do momento em que uma nuvem entra em colapso, a densidade e a temperatura aumentam, fazendo com que as suas partes centrais se tornem mais densas e quentes. A acumulação de massa no centro faz com que mais massa seja atraída e colapse sob a acção da gravidade. As regiões centrais colapsam mais rapidamente, pois estão sujeitas a uma força gravitaional maior. O resultado é um núcleo quente e denso rodeado por um casulo de gás e poeira, aquilo que os astrónomos designam por uma proto-estrela. Na figura seguinte, obtida com o Telescópio Espacial Hubble, pode-se ver um exemplo destes casulos proto-estelares a rodear uma estrela ainda em formação.

Nesta fase, a estrela ainda não é visível e encontra-se embebida no seio do gás e da poeira. Este material vai-se acumulando cada vez mais na região central, fazendo com que o ambiente circum-estelar se vá dissipando, deixando que a radiação emitida pelo núcleo central comece a escapar por entre o nevoeiro proto-estelar. Ao fim de vários milhões de anos, a temperatura no centro é de tal forma elevada que os átomos de hidrogénio se começam a fundir. A fusão do hidrogénio produz hélio e a energia libertada faz com que o núcleo central se torne visível. Nasce assim uma estrela!

Figura 9 - O objecto em forma de gota de água é do tamanho do Sistema Solar e é um exemplo dos muitos casulos proto-estelares detectados na nebulosa de Orion pelo Telescópio Espacial Hubble. Crédito: NASA.
Tal como a água em rotação que se escoa pelo ralo de uma banheira, também a matéria que cai no núcleo central da proto-estrela o faz acompanhada de um movimento de rotação. E, à medida que essa matéria em queda se aproxima cada vez mais da região central, a sua velocidade de rotação vai aumentando cada vez mais. O mesmo se passa quando uma bailarina em rotação fecha os seus braços: a sua velocidade de rotação aumenta. Este fenómeno deve-se à chamada conservação do momento angular. O momento angular de uma corpo é uma medida da sua rotação em torno de um ponto, e esta grandeza física tem de se conservar. É uma das leis da natureza, tal como a conservação da massa.

O resultado deste processo de acrescimento de massa em rotação é a formação de uma disco circum-estelar. Actualmente estes discos são designados por discos proto-planetários, pois pensa-se que é no seio destes discos que se formam os planetas. Na figura seguinte mostrasse um diagrama ilustrando a formação de um destes discos, tal como o disco que terá dado origem ao nosso Sistema Solar.

A existência destes discos está hoje largamente comprovada através de diversas observações astronómicas. Um dos exemplos mais famosos é o disco de poeira em torno da estrela jovem Beta Pictoris. Na Figura 11 podemos ver uma imagem desse disco resultante de uma observação do telescópio Hubble. Esta é uma imagem em cor falsa obtida através do obscurecimento da luz da estrela central, deixando visível o disco de poeira . Este disco é um potencial sistema solar e estudos posteriores têm procurado determinar a possível existência de planetas no disco.

Figura 10 - Visão artística ilustrando a formação de um disco circum-estelar. O colapso de uma nuvem deu origem a uma proto-estrela rodeada de um disco onde se formam planetas, asteróides e cometas.
Ao contrário do que se possa pensar, a formação de uma estrela não é acompanhada apenas de acumulação de massa. Na verdade, e por mais estranho que possa parecer, assiste-se, também, à ejecção de massa a partir da proto-estrela. De facto, é hoje aceite que qualquer proto-estrela irá desenvolver, ao longo da sua formação, jactos de matéria emitida ao longo dos seus pólos. Estes jactos de matéria podem ser visíveis, sendo muitas das vezes acompanhados pela formação dos chamados "outflows" moleculares, zonas de gás excitado que acompanha o movimento de ejecção dos jactos. A emissão desta matéria vai excitar o material circundante à volta da jovem estrela, formando zonas de excitação no ambiente circum-estelar, criando os chamados objectos Herbig-Haro, ou objectos HH. Estes objectos, descobertos pela primeira vez na década de 50, constituem um sinal associado à formação de estrelas.

Por vezes não é possível nos apercebermos da presença da estrela em formação, dado não ser possível aceder, na banda do visível, aos estágios iniciais de formação de uma estrela, isto pelas razões já enunciadas atrás. Mas muitas vezes podemos ver estas formações resultantes da actividade proto-estelar. É o caso dos objectos visíveis na figura 12. Nessa imagem, obtida com o HST, são bem visíveis os objectos HH1 e HH2, os primeiros do género a serem descobertos.

Figura 11 - Disco de poeira visto de perfil em torno de Beta Pictoris. Crédito: C. Burrows, J.Krist, WFPC2 Team, NASA, ESA.

A imagem seguinte mostra os dois objectos HH, HH1 do lado direito e HH2 do lado esquerdo. A estrela brilhante visível junto a HH1 é a estrela que se julgava, até há uns anos atrás, ser responsável pela formação destes objectos. No entanto, observações no rádio revelaram que a estrela responsável por este sistema é uma estrela jovem, invisível na imagem, situada entre os dois objectos HH, junto do jacto visível em pormenor no painel em baixo do lado esquerdo. Estes jactos de matéria chegam a atingir 100 000 km/h e são responsáveis por escavar a região à volta da estrela jovem em formação. Estes jactos ajudam, assim, a proto-estrela a libertar-se dos restos do seu manto embrionário.

Figura 12 - Objectos HH1 e HH2. Crédito: J. Heater, Arizona State Univeristy, NASA.

As razões para a existência destas ejecções de massa nos estágios iniciais de formação de uma estrela são tema ainda de forte debate na comunidade astronómica. Apesar de os detalhes não serem ainda bem entendidos, julga-se que o fenómeno está relacionado com a conservação do momento angular, quantidade física que, como vimos atrás, tem de se conservar. À medida que o material caí na direcção do centro, a sua velocidade de rotação aumenta. A expulsão de matéria ao longo dos pólos da proto-estrela é uma forma de esta dissipar parte do seu momento angular.

A descoberta e o estudo destes fenómenos dão-nos pistas sobre a forma como uma estrela se forma. Não sendo possível visualizar o processo de formação de uma estrela de uma forma directa, os astrónomos procuram caracterizar os estágios proto-estelares olhando para jactos, discos, nuvens, distribuições de gás e poeira. O estudo das suas propriedades e dos efeitos que provocam no meio envolvente permitem desvendar o que se passa por detrás de um denso nevoeiro interestelar. Para penetrar nesse denso nevoeiro tivemos de esperar pelas últimas décadas para que se desenvolvesse a tecnologia necessária que nos permite hoje perscrutar as mais frias regiões do espaço e aceder, assim, aos primeiros instantes de formação de uma estrela.