Astronomia, Astrologia e Mitologia

Gravura extraida de Atlas Coelestis seu Harmonica Macrocosmica, de Andreas Cellarius, Amesterdão, 1661
Há cinco mil ou seis mil anos, quando os homens começaram a registar o movimento dos astros, o firmamento estava ainda povoado por deuses e demónios. Os céus eram responsáveis pela miséria e pela prosperidade, pelo dilúvio e pela calmaria, pelo desvario da luta e pela sorte na caça.

Os primeiros astrónomos viviam num mundo de deuses, de monstros e de heróis. As suas observações conseguiram um notável rigor, mas estavam marcadas pelas suas crenças. Alguns dos conceitos que criaram para descrever o movimento dos astros ainda hoje estão tingidos por essas crenças, apesar de terem entrado no mundo da ciência. Quem hoje fala em signos e em zodíaco pode fazê-lo por acreditar numa influência dos astros na vida dos homens, mas pode também referir esses termos na sua moderna acepção científica. Há o zodíaco dos astrólogos e o zodíaco dos astrónomos.

A separação da astronomia e da mitologia ocorreu ainda no tempo dos gregos. Embora muitos cidadãos helénicos acreditassem literalmente nas histórias mitológicas, a maioria dos filósofos que reflectiam sobre o cosmos não via os astros como entidades mitológicas, mas sim como elementos de um mundo envolvente.

A separação da astronomia e da astrologia ocorreu muito mais tarde, já nos séculos XVI e XVII. Apesar de muitos pensadores gregos rejeitarem a astrologia, o certo é que a crença nos astros como condicionantes do futuro humano persistiu ao longo de toda a antiguidade clássica e se manteve até ao fim do Renascimento, sendo determinante mesmo entre as pessoas cultas da época. Talvez tenha sido a grande polémica sobre o sistema coperniciano que Galileu despertou que tenha determinado o desprestígio da astrologia no mundo científico. Se a escolha entre os grandes sistemas do mundo podia e devia ser resolvida pela observação e pelo raciocínio, então os homens de ciência deviam rejeitar crenças astrológicas impossíveis de testar empiricamente ou discutir racionalmente.

Com a separação entre a astronomia, a mitologia e a astrologia, perdeu-se a ideia antiga da unidade do mundo e do homem. Mas essa perca é, afinal, a grande conquista moderna da separação entre fé, princípios morais e actividade científica. É essa separação que permite o grande desenvolvimento moderno da ciência e o pluralismo cultural. Em vez de lamentar a divisão do pensamento humano, será melhor saudá-la como uma grande conquista da Humanidade.

Nos textos seguintes deste Tema do Mês discutiremos astronomia, astrologia e mitologia.



Autoria:
Nuno Crato
Professor Associado de Matemática e Estatística, Instituto Superior de Economia e Gestão, Lisboa
Associado do NÚCLIO