Buraco negro ejectado ou estrela gigante que explodiu?

2014-11-20

Usando o telescópio Keck II, no Havai, os investigadores obtiveram imagens de alta resolução de Markarian 177 e SDSS1133, usando um filtro do infravermelho próximo. Os pontos brilhantes gémeos no centro da galáxia sustentam a hipótese de formação estelar recente, uma perturbação que sugere que esta galáxia se pode ter fundido com outra. Crédito: W. M. Keck Observatory/M. Koss (ETH Zurich) et al.
Uma equipa internacional de investigadores, que analisa décadas de observações provenientes de muitas fontes, incluindo o satélite Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
, descobriu uma fonte de luz fora do comum numa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
a cerca de 90 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância.

As curiosas propriedades do objecto convertem-no num bom candidato a um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
que foi ejectado da sua galáxia de origem após a fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
com outro buraco negro gigante. Mas os astrónomos ainda não podem descartar uma possibilidade alternativa. A fonte, de nome SDSS1133, pode ser o remanescente de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de enorme massa que sofreu erupção durante um período recorde de tempo antes de se destruir numa explosão de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
.

"Com os dados que temos em mãos, ainda não podemos escolher entre estes dois cenários", disse o investigador Michael Koss, astrónomo da ETH Zurich, o Instituto Federal de Tecnologia da Suíça. "Uma descoberta interessante feita com Swift é que o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
de SDSS1133 mudou pouco em luz óptica ou ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
durante uma década, o que normalmente não se observa em remanescentes de supernova jovens."

Num estudo a publicar na edição de 21 de Novembro da Monthly Notices da Royal Astronomical Society, Koss e os seus colegas relatam que a fonte brilhou significativamente em luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
durante os últimos seis meses, uma tendência que, se mantida, poderá reforçar o cenário de buraco negro. Para analisar o objecto em maior detalhe, a equipa está a planear observações em ultravioleta com o Cosmic Origins Spectrograph, espectrógrafo a bordo do telescópio espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
, em Outubro de 2015.

Seja o que for, SDSS1133 é persistente. A equipa foi capaz de detectá-lo em pesquisas astronómicas de há mais de 60 anos.

O objecto misterioso faz parte da galáxia anã Markarian 177, localizada na Caçarola, um conhecido padrão de estrelas dentro da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
da Ursa Maior. Embora os buracos negros de grande massa se localizem geralmente nos centros galácticos, SDSS1133 está localizado a pelo menos 2600 anos-luz do núcleo da sua galáxia hospedeira.

Em Junho de 2013, os investigadores obtiveram imagens de alta resolução do objecto, no infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
, usando o telescópio de 10 metros Keck II
W. M. Keck Observatory
O Observatório W. M. Keck é operado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e pela NASA, e encontra-se localizado em Mauna Kea, no Havai. O observatório é constituído por dois telescópios gémeos de 10 metros, o Keck I e o Keck II.
, no Observatório WM Keck, no Havai. Elas revelam que a região emissora de SDSS1133 tem menos de 40 anos-luz de diâmetro e que o centro de Markarian 177 mostra sinais de intensa formação de estrelas e outras características que indicam uma perturbação recente.

"Suspeitamos que estamos a ver os efeitos de uma fusão de duas pequenas galáxias e dos seus buracos negros centrais", disse a co-autora Laura Blecha, do Departamento de Astronomia da Universidade de Maryland e uma líder teórica na simulação do fenómeno dos "chutos" em buracos negros em fusão. "Os astrónomos que procuram buracos negros chutados, ou ejectados, têm sido incapazes de confirmar a sua detecção, de modo que encontrar apenas uma dessas fontes seria uma grande descoberta."

A colisão e fusão de duas galáxias altera as suas formas e resulta em novos episódios de formação de estrelas. Se cada galáxia possuir um buraco negro gigante central, estes irão formar um par binário no centro da galáxia resultante da fusão antes de eles próprios se fundirem.

A fusão de buracos negros liberta uma grande quantidade de energia na forma de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
gravitacional, uma consequência da teoria da gravitação de Einstein. Ondas geradas por massas em aceleração
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
propagam-se em todas as direcções no tecido do espaço-tempo
espaço-tempo
O espaço-tempo é um conceito único introduzido por Albert Einstein no âmbito da Teoria da Relatividade Geral, que reconhece a união do espaço e do tempo.
. Se os dois buracos negros tiverem massas e spins iguais, a sua fusão emitirá ondas gravitacionais uniformes em todas as direcções. Porém, o mais provável é os buracos negros terem massas e spins diferentes, levando à emissão assimétrica de ondas gravitacionais que lançam o buraco negro em direcção oposta.

O chuto pode ser suficientemente forte para lançar o buraco negro para fora da sua galáxia, deixando-o para sempre à deriva no espaço intergaláctico. Mais especificamente, o pontapé levará o objecto para uma órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
alongada. Apesar de ter sido afastado, o buraco negro ejectado irá reter o gás quente preso à sua volta e continuará a brilhar à medida que se for movendo ao longo do seu novo caminho até que todo o gás seja consumido.

Se SDSS1133 não for um buraco negro, então pode ter sido um tipo muito raro de estrela, conhecido como Variável Luminosa Azul (LBV). Estas estrelas de grande massa sofrem erupções episódicas que lançam grandes quantidades de massa para o espaço muito antes de explodirem. Interpretado desta forma, SDSS1133 representaria o maior período de erupções LBV já observado, seguido por uma explosão final de supernova cuja luz terá chegado à Terra em 2001.

A comparação mais próxima na nossa galáxia é o enorme sistema binário Eta Carinae, que inclui uma LBV contendo cerca de 90 vezes a massa do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. Entre 1838 e 1845, o sistema passou por uma explosão que ejectou pelo menos 10 massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
e o tornou na segunda estrela mais brilhante no céu. Depois seguiu-se uma erupção menor na década de 1890.

Neste cenário alternativo, SDSS1133 deve ter estado em erupção quase contínua desde pelo menos 1950 até 2001, quando atingiu o brilho máximo e se tornou numa supernova. A resolução espacial e a sensibilidade dos telescópios anteriores a 1950 não foram suficientes para detectar a fonte. Mas tratando-se de uma erupção LBV, o registo actual mostra que foi a maior e mais persistente já observada. Uma interacção entre o gás ejectado e a onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
da explosão poderia explicar o brilho constante do objecto no ultravioleta.

Quer se trate de um buraco negro de enorme massa ejectado ou da morte de uma estrela rara, a ideia de um objecto tão grande e tão cheio de energia movendo-se pelo espaço intergaláctico é, no mínimo, intrigante.

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=BwhUl1qvG4k
Zoom de Markarian 177 e SDSS1133 e comparação com a simulação de uma colisão de galáxias. Quando os buracos negros centrais das galáxias se combinam, um "chuto" lança o buraco negro resultante da fusão numa órbita ampla, levando-o para longe do núcleo da galáxia.

Fonte da notícia: http://www.nasa.gov/content/goddard/nasas-swift-mission-probes-an-exotic-object/