CSI cósmico: em busca das origens do Sistema Solar em dois grãos de areia

2013-04-24

Em 2007, o telescópio espacial Spitzer, da NASA, encontrou a assinatura infravermelha de sílica (areia) no remanescente de supernova Cassiopeia A. A luz desta estrela que explodiu chegou pela primeira vez à Terra em 1600. O ponto azul perto do centro é tudo o que resta da estrela que explodiu. Crédito : NASA/JPL-Caltech/ O. Krause (Steward Observatory).
"O número total de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
no Universo é superior ao de todos os grãos de areia de todas as praias do planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
Terra", disse Carl Sagan, na sua famosa série de televisão Cosmos
Cosmos
O conjunto de tudo quanto existiu, existe e alguma vez existirá. A larga escala, o Universo parece ser isotrópico e homogéneo.
. Mas quando se descobrem dois desses grãos formados por sílica, um composto de silício e oxigénio, no interior de meteoritos
meteorito
Um meteorito é um corpo sólido que entra na atmosfera da Terra (ou de outro planeta), sendo suficientemente grande para não ser totalmente destruído pela fricção com as partículas da atmosfera, e assim atingir o solo. Os meteoritos dividem-se em três categorias, segundo a sua composição: aerolitos (rochosos), sideritos (ferro) e siderolitos (ferro e rochas).
antigos recolhidos na Antárctida, a sua composição resulta ser tão semelhante que leva a supor que eles possam muito bem ter tido origem na mesma estrela... talvez, até, naquela cuja explosão terá ajudado à formação do próprio Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
.

Investigadores da Universidade de Washington, em St. Louis, com o apoio do Centro McDonnell para as Ciências Espaciais, anunciaram a descoberta de dois grãos microscópicos de sílica em meteoritos primitivos com origem em duas fontes diferentes. Esta descoberta é surpreendente porque a sílica - um dos principais componentes da areia que hoje existe na Terra - não é um dos minerais que se formaram dentro do disco primordial de matéria que existia em torno do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
.

Em vez disso, julga-se que os dois grãos de sílica foram criados por uma única supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
que esteve na origem do Sistema Solar primitivo e que ajudou a dar início à eventual formação de planetas.

De acordo com um comunicado de imprensa da Universidade de Washington: "Isto é um pouco como conhecer os segredos da família que vivia na nossa casa em 1800 examinando as partículas de poeira que se foram acumulando nas fendas do soalho."

Até à década de 1960 a maioria dos cientistas acreditava que o Sistema Solar primitivo tinha atingido temperaturas tão elevadas que a matéria pré-solar não poderia ter sobrevivido. Mas, em 1987, cientistas da Universidade de Chicago descobriram num meteorito primitivo diamantes minúsculos (que não tinham sido aquecidos ou alterados). Desde então, têm sido encontrados grãos de mais de dez outros minerais em meteoritos primitivos.

Os cientistas podem afirmar que estes grãos vieram de estrelas antigas porque têm assinaturas isotópicas altamente fora do comum, e estrelas diferentes produzem isótopos
isótopo
Chamam-se isótopos aos átomos cujos núcleos têm o mesmo número de protões (por isso, são o mesmo elemento químico), mas têm um número diferente de neutrões. O número atómico dos isótopos é igual, mas o número de massa é diferente.
em proporções diferentes.

Mas o material a partir do qual se constituiu o nosso Sistema Solar foi misturado e homogeneizado antes dos planetas se formaram. Assim, o Sol e todos os planetas têm praticamente a mesma composição "solar" isotópica.

Os meteoritos, a maioria dos quais são pedaços de asteróides
asteróide
Um asteróide é um pequeno corpo rochoso que orbita em torno do Sol, com uma dimensão que pode ir desde os 100 m até aos 1000 km. A maioria dos asteróides encontra-se entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Também são designados por planetas menores.
, têm também a mesma composição solar. Mas escondidas no interior dos mais antigos há amostras puras de estrelas, e as composições isotópicas desses grãos pré-solares podem fornecer pistas para entendermos os seus complexos processos nucleares e convectivos.

Alguns modelos de evolução estelar prevêem que a sílica pode condensar nas frias atmosferas
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
exteriores das estrelas, mas outros dizem que o silício é completamente consumido pela formação de magnésio, ou de silicatos ricos em ferro, não sobrando nenhum para formar a sílica.

"Não sabíamos qual dos modelos estava certo, porque qualquer deles tinha muitos parâmetros", disse Pierre Haenecour, estudante de pós-graduação em Ciências Planetárias e da Terra, da Universidade de Washington, autor principal do artigo a ser publicado a 1 de Maio no Astrophysical Journal Letters.

Sob a orientação da professora de física Dra. Christine Floss, que encontrou alguns dos primeiros grãos de sílica num meteorito em 2009, Haenecour investigou secções de um meteorito primitivo trazido da Antárctida e localizou um único grão de sílica num conjuntos de 138 grãos pré-solares. O grão que encontrou era rico em oxigénio-18, o que significa que teve origem no colapso de uma supernova.

Ao mesmo tempo, foi identificado pela estudante Xuchao Zhao outro grão de sílica enriquecido com oxigénio-18 dentro de outro meteorito. Haenecour e a sua equipa começaram então a tentar descobrir de que forma os grãos de sílica se poderiam formar dentro das camadas em colapso de uma estrela moribunda. Descobriram que podiam reproduzir em laboratório o enriquecimento em oxigénio-18 dos dois grãos, por meio da mistura de pequenas quantidades de matéria proveniente de zonas interiores, ricas em oxigénio, e de zonas de hélio/carbono, ricas em oxigénio-18, com grandes quantidades de matéria da camada externa de hidrogénio da supernova.

Na verdade, segundo Haenecour, a mistura necessária para produzir a composição dos dois grãos é tão semelhante que eles podem muito bem ter vindo da mesma supernova - possivelmente a que terá provocado o colapso da nuvem molecular
nuvem molecular
As nuvens moleculares são nebulosas constituídas predominantemente por hidrogénio molecular.
que formou o Sistema Solar.

Esta técnica para estudar as estrelas - muitas vezes chamada “astronomia em laboratório” - dá aos cientistas a informação que não pode ser obtida pelas técnicas tradicionais de astronomia, como, por exemplo, observações por telescópios ou modelos computacionais. Meteoritos antigos, alguns grãos microscópicos de areia estelar e imenso trabalho de laboratório... um exemplo da análise forense cósmica no seu melhor!

Fonte da Notícia: http://www.universetoday.com/101665/cosmic-c-s-i-finding-the-origins-of-the-solar-system-in-two-grains-of-sand/