Como se formam os sistemas estelares múltiplos?

2007-01-09

Imagens do VLA do sistema estelar múltiplo L1551 IRS5 e do disco de gás e poeira que envolve todo o sistema. A extensão que se vê a sair da estrela de cima para a esquerda é a recém-descoberta terceira protoestrela do sistema. Crédito: Lim & Takakuwa, NRAO/AUI/NSF.
Através da utilização do radiotelescópio VLA
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(Very Large Array), um grupo de astrónomos obteve imagens, com uma qualidade sem precedentes, de um jovem sistema estelar múltiplo, reunindo importantes detalhes sobre a formação destes sistemas. A maioria das estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
visíveis no vasto Universo, com a dimensão do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
ou maiores, não aparecem sós como a nossa estrela, mas sim como membros de sistemas estelares compostos por múltiplos elementos. Até agora os astrónomos têm dividido as suas opiniões sobre a forma como estes sistemas múltiplos de estrelas se formam, produzindo e suportando diferentes modelos teóricos para explicar este processo.

Segundo Jeremy Lim, do Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sinica, em Taiwan, o novo estudo alicerçado nas imagens obtidas com o VLA está de acordo com um dos modelos geralmente aceites para explicar a formação de sistemas estelares múltiplos. Este estudo, feito em colaboração com Shigehisa Takakuwa, do Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ), foi recentemente publicado na revista científica Astrophysical Journal.

Ironicamente, a descoberta de uma desconhecida terceira e jovem estrela no sistema observado, pode vir a apoiar um segundo e diferente modelo teórico. "Poderá haver mais do que um caminho para a formação de sistemas estelares múltiplos, " explica Lim.

O objecto de estudo foi o sistema estelar designado por L1551 IRS5, um sistema jovem, composto por protoestrelas ainda em formação, envolvidas numa nuvem de gás e poeira, localizado a cerca de 450 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra, na direcção da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Touro. Invisível para os telescópios ópticos devido ao gás e poeira, este objecto foi descoberto pelos astrónomos em 1976 com o recurso a telescópios de infravermelho
telescópio de infravermelho
Um telescópio de infravermelho é um telescópio munido de um detector sensível à radiação infravermelha, tipicamente nos comprimentos de onda entre 0,75 e os 350 mícrones.
. Um estudo do VLA conduzido em 1998 mostrou duas estrelas a orbitarem uma em torno da outra, cada uma delas rodeada por um disco de poeira que poderá, em seu tempo, vir a transformar-se num sistema planetário.

Lim e Takakuwa reexaminaram o sistema, recorrendo a novas e melhoradas capacidades técnicas que aumentaram exponencialmente a qualidade das imagens. "No estudo anterior, apenas metade das 27 antenas do VLA possuíam receptores capazes de receber ondas de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
na frequência
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
de 43 GigaHertz (GHz), proveniente dos discos de poeira em torno das estrelas. Quando voltámos a olhar para este sistema, pudemos recolher dados de todas as antenas. Efectivamente, pudemos aumentar ainda o nível de detalhe, recorrendo à utilização da antena de Pie Town, como parte da rede Very Long Baseline Array (VLBA
Very Large Baseline Array (VLBA)
O VLBA é um sistema de dez radiotelescópios, espalhados pelos EUA continental e os seus territórios nas Ilhas Virgens e no Havai. Os radiotelescópios podem operar simultaneamente e são controlados remotamente em Socorro (Novo México). Cada estação do VLBA consiste numa antena com um prato de 25 m e um edifício de controlo. O VLBA é operado pela NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
)," disse Lim. A implementação e melhoria do sistema receptor de 43 GHz apenas se tornou possível devido a uma estreita colaboração entre o Instituto Alemão Max Planck, a Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM) e o Observatório Nacional de Rádio Astronomia (NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
) dos EUA.

Os dois modelos teóricos mais populares sobre a formação de sistemas múltiplos de estrelas são, em primeiro lugar, que as duas protoestrelas e os seus correspondentes discos de poeira se fragmentam de um disco primordial de maiores dimensões e, em segundo lugar, que as protoestrelas se formam independentemente, acabando uma delas por capturar a outra numa órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
mútua.

Para Lim, "os nossos novos estudos demonstram que os discos das duas protoestrelas principais estão alinhados entre si, sendo este mesmo alinhamento coincidente com o do disco maior que envolve todo o conjunto. Além do mais, o seu movimento orbital assemelha-se à rotação do disco maior. Isto é uma prova muito forte a favor do modelo de fragmentação."

No entanto, este novo estudo revelou uma terceira estrela jovem, também ela possuidora de um disco próprio. "O disco deste terceiro elemento do sistema está desalinhado relativamente aos outros dois, o que tanto pode ser resultado de fragmentação como de captura," disse Takakuwa. O desalinhamento do terceiro disco pode ter acontecido através de interacções gravitacionais com as outras duas protoestrelas, de maior dimensão. Numa tentativa de resolução deste problema, estão já planeadas novas observações do sistema.

"Temos uma firme indicação que duas destas protoestrelas e os seus respectivos discos se formaram a partir do mesmo disco inicial, de maiores dimensões, cindindo-se depois num processo de fragmentação. Isto suporta fortemente um dos modelos teóricos sobre a formação de sistemas estelares múltiplos. O desalinhamento da terceira protoestrela e do seu disco deixam em aberto a possibilidade desta se ter formado noutro local, sendo posteriormente capturada, pelo que continuaremos a trabalhar na reconstrução da história deste fascinante sistema," sumariza Jeremy Lim.

Fonte da notícia: http://www.nrao.edu/pr/2006/multidisk/