Descoberta de raios gama emitidos da vizinhança do horizonte de um buraco negro

2006-12-07

Em cima: imagem da radiogaláxia M87 em luz visível. A região central, a partir da qual são vistos os raios gama de EMA, está situada no canto superior esquerdo da imagem e o jacto relativístico de plasma estende-se até ao canto inferior direito. Crédito: Hubble Space Telescope (HST). Em cima: a variação nos raios gama de EMA emitidos pela M87 - painel inferior: intensidade ano a ano em função do tempo, vista pela H.E.S.S. (e pela HEGRA); painel superior: variações noite após noite com picos em escalas temporais de alguns dias, medidos em 2005. Crédito: H.E.S.S. Ao centro: a radiogaláxia M87 vista em energias muito altas pela H.E.S.S. (painel esquerdo (A), escala a cores). A emissão parece estendida mas isso é, contudo, explicado pela precisão da medição dos telescópios. Uma restrição muito mais forte no tamanho da região de emissão pode ser deduzida a partir da variabilidade medida na radiação gama de EMA (ver texto). A linhas negras reflectem a estrutura da M87 em comprimentos de onda de rádio. Painel direito (B): Ampliação do quadrículo ponteado do painel esquerdo. A radiogaláxia M87 vista em comprimentos de onda de rádio, que correspondem a energias 19 ordens de magnitude mais baixas que a radiação gama de EMA. A posição do máximo de emissão de radiação gama de EMA também é dada (a cruz). Crédito: H.E.S.S., e dados de rádio de F.N. Owen et al. (2000).
Os astrofísicos da colaboração internacional H.E.S.S. anunciaram a descoberta de variabilidade rápida em raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
de energia muito alta (EMA) a partir da galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
elíptica gigante M87
M87 (NGC 4486)
M87 é uma galáxia elíptica gigante na constelação da Virgem, a cerca de 50 milhões de anos-luz de distância, que pertence ao famoso Enxame de Galáxias da Virgem. Trata-se de uma galáxia activa, com um espectacular jacto que é o jacto extragaláctico mais conhecido e bem estudado.
. A detecção destes fotões
fotão
O fotão, muitas vezes referido como a partícula de luz, é o quantum do campo electromagnético e é a partícula elementar da radiação electromagnética.
de raios gama – com energias mais de um bilião de vezes superior à energia da luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
– a partir de um dos objectos extragalácticos
extragaláctico
Em Astrofísica, qualquer domínio de investigação que envolva o estudo de objectos celestes que se encontram para além da nossa própria galáxia é designado por extragaláctico.
mais famosos do céu é um facto extraordinário, apesar de já ser esperado há muito tempo, dados os vários locais potenciais de aceleração
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
de partículas (e consequentemente produção de raios gama) dentro da M87. Muito mais surpreendente foi a descoberta de variações drásticas de fluxo de raios gama em escalas temporais de dias. Estes resultados, pela primeira vez, excluem todas as opções possíveis de locais de produção de raios gama, a não ser o mais empolgante e emocionante: os arredores de um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada que está situado no centro da M87. Este trabalho foi publicado recentemente na revista científica Science.

Na Namíbia, a equipa construiu e opera um sistema de detecção, conhecido por telescópios Cherenkov, que permite a detecção destes raios gama a partir do nível do solo. Apontando este sistema para uma galáxia próxima a equipa detectou raios gama de EMA ao longo dos últimos quatro anos. Contudo, a verdadeira surpresa foi a verificação de que a intensidade da emissão variava drasticamente em prazos de alguns dias.

A radiogaláxia
radiogaláxia
Uma galáxia muito luminosa nos comprimentos de onda do rádio é chamada de radiogaláxia. Estão normalmente associadas a galáxias gigantes elípticas.
gigante M87, situada a 50 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
da Virgem, alberga um buraco negro de massa elevada com 3 milhares de milhões de massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
a partir do qual emanam um jacto de partículas e campos magnéticos
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
. Porém, ao contrário de outras fontes extragalácticas de raios gama de EMA previamente observadas – conhecidas por blazares – o jacto da M87 não está apontado na direcção da Terra mas é visto a um ângulo de cerca de 30º. Nos blazares, pensa-se que os raios gama são emitidos no jacto, colimados à volta da direcção do jacto e com a sua energia e intensidades potenciadas pelo movimento relativístico do jacto de partículas. Consequentemente, a M87 representa um novo tipo de fonte de raios gama extragalácticos.

Um primeiro indicador de emissão de raios gama de EMA a partir da M87 foi visto em 1998
com os telescópios Cherenkov HEGRA (uma das experiências precursoras da H.E.S.S.). Com os resultados da H.E.S.S. foram confirmadas estas indicações com maior certeza. O fluxo de raios gama de EMA a partir da M87 é bastante ténue; nenhuma outra radiogaláxia foi vista até hoje em raios gama de EMA, provavelmente devido ao facto da maioria ser mais distante do que a relativamente próxima M87.

A escala de tempo da variabilidade é um indicador do tamanho máximo da região emissora. Visto que os raios gama oriundos da parte posterior da região emissora levam mais tempo a chegar até nós, as escalas de tempo da variabilidade não podem ser muito mais curtas que o tempo que os raios gama levam a atravessar a região de emissão. Tais medidas de variabilidade são frequentemente usadas para restringir o tamanho do local de emissão em objectos distantes, proporcionando habitualmente maior precisão do que medindo o tamanho do objecto com base na sua extensão angular no céu. A escala de tempo de poucos dias de variabilidade medida pela H.E.S.S. na M87 é extremamente curta, mais curta do que a detectada em qualquer outro comprimento de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
. Isto diz-nos que o tamanho da região que produz os raios gama de EMA tem cerca do tamanho do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
(1013 m, apenas cerca de 0.000001% do tamanho de toda a radiogaláxia M87). “Isto não é muito mais do que o horizonte de eventos do buraco negro de massa elevada no centro da M87” disse Matthias Beilicke, um cientista da H.E.S.S. a trabalhar na Universidade de Hamburgo.

Este observação torna os arredores do buraco negro central da M87 o sítio mais provável para a produção de raios gama de EMA; outras estruturas nos jactos da M87 tendem a ter escalas maiores. A física por detrás dos processos de produção ainda está por ser determinada, e mecanismos completamente originais poderão ser invocados devido à proximidade do buraco negro que esta descoberta pela H.E.S.S. demonstrou. É provável estarmos a lidar com um mecanismo de produção diferente do dos blazares, cujos jactos apontam na nossa direcção. Nesta região próxima do buraco negro, a matéria que é sugada pelo buraco negro também está a criar um jacto relativístico de plasma
plasma
O plasma é um gás completamente ionizado, em que a temperatura é demasiado elevada para que os átomos existam como tal, sendo composto por electrões e núcleos atómicos livres. É chamado o quarto estado da matéria, para além do sólido, líquido e gasoso.
– um processo que ainda não é inteiramente compreendido. Que os raios gama consigam escapar desta região violenta pode parecer surpreendente, mas tal é possível visto o buraco negro na M87 estar a incorporar matéria a um ritmo relativamente baixo, quando comparado com outros buracos negros. Além disso, não poderão ser excluídos que os efeitos relativísticos, como os que ocorrem noutras fontes extragalácticas, possam contribuir a algum nível, mas dado que o jacto não está apontado para nós, grandes efeitos relativísticos são improváveis.

Fonte da notícia: http://hess.desy.de/pages/PressRelease/PressRelease_HH_E.html