Argilas e água na história primitiva de Marte

2005-12-07

Em cima: Uma perspectiva HRSC 3D, em cor falsa, de Candor Chasma, caracterizada pelas imagens em infravermelho do OMEGA. Mostra depósitos brilhantes e castanhos (marcados a vermelho) ricos em kieserite, um sulfato de magnésio hidratado. Crédito: ESA/OMEGA/HRSC. Ao centro: Uma perspectiva HRSC 3D da região de Marwth Vallis (sombras cinzentas), onde o OMEGA localizou minerais ricos em água (azul). Crédito: ESA/OMEGA/HRSC. Em baixo: Na região de Marwth Vallis, o OMEGA mostrou que não foram detectados minerais hidratados no canal ou na zona onde ele se abre (imagem da esquerda). No entanto, o caudal terá sido tão violento que erodiu e expôs os velhos minerais argilosos, demarcando uma era primitiva em que a água estava presente (imagem da direita). Crédito: ESA/OMEGA/HRSC.
Na história primitiva do planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
Marte
Marte
Marte é o quarto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. É o último dos chamados planetas interiores. O seu diâmetro é cerca de 50% mais pequeno do que o da Terra e possui uma superfície avermelhada, sendo também conhecido como planeta vermelho.
, devem ter existido seguramente quantidades substanciais de água no estado líquido. Este é o resultado de um levantamento levado a cabo pelo espectrómetro
espectrómetro
O espectrómetro é um instrumento cuja função é medir os comprimentos de onda de um determinado espectro de luz, permitindo identificar as espécies químicas responsáveis pelas riscas existentes nesse espectro.
OMEGA, a bordo da Mars Express
Mars Express
Mars Express é uma sonda da Agência Espacial Europeia (ESA) lançada a 2 de Junho de 2003 e que alcançou Marte em Dezembro de 2003. A Mars Express entrou numa órbita à volta de Marte, onde permanecerá a cumprir os seus objectivos: fotografar toda a superfície de Marte em alta resolução (e algumas áreas seleccionadas em super-resolução); mapear a composição mineral da superfície; mapear a composição da atmosfera e determinar a sua circulação global; estudar a estrutura do subsolo até uma profundidade de alguns quilómetros; estudar o efeito da atmosfera na superfície; determinar a interacção entre a atmosfera e o vento solar. A Mars Express levava a bordo o Beagle 2, que foi lançado para pousar na superfície de Marte, mas que nunca deu notícias e é considerado perdido.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), realizado no visível e no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
, procurando sinais de minerais específicos na superfície do planeta.

Observações prévias já tinham levado a concluir que Marte passou por processos que envolveram água, que deixaram a sua marca em estruturas da superfície, tais como sistemas de canais e outros sinais de forte erosão aquosa. No entanto, essas observações não implicavam a presença permanente de água no estado líquido na superfície do planeta, durante longos períodos. Mas os dados recolhidos pelo OMEGA revelam inequivocamente a presença de minerais de superfície específicos que implicam exactamente o contrario. Estes minerais ricos em água – que contêm água na sua estrutura cristalina – estabelecem um registo mineralógico de processos relacionados com a água na superfície de Marte.

O OMEGA fez, durante dezoito meses, o levantamento de quase toda a superfície do planeta, com uma resolução compreendida entre um e cinco quilómetros e, em algumas áreas, com resoluções superiores. O instrumento detectou a presença de duas classes diferentes de minerais: “filossilicatos” e “sulfatos hidratados”, em grandes áreas isoladas da superfície. Ambos os minerais são o resultado da alteração química de rochas, mas os seus processos de formação são muito diferentes e apontam para períodos de diferentes condições ambientais.

Os filossilicatos – com uma estrutura característica de camadas finas - são o produto da alteração de minerais de origem magmática, que mantiveram um longo contacto com a água. Um exemplo de um filossilicato é a argila. O OMEGA detectou os filossilicatos sobretudo em regiões como Arabia Terra, Terra Meridiani, Syrtis Major, Nili Fossae e Mawrth Vallis, sob a forma de depósitos escuros ou afloramentos que sofreram erosão.

Os sulfatos hidratados, a segunda maior classe de minerais de origem aquosa detectada pelo OMEGA, formam-se como depósitos provenientes de massas
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
de água salgada. A maioria dos sulfatos precisa de um ambiente de água ácida para se formar. Foram localizados em depósitos laminares na região de Valles Marineris, em extensos depósitos expostos na Terra Meridiani e dentro de dunas escuras na calota polar norte.

Os cientistas propuseram um cenário provável para a ocorrência das alterações químicas que deram origem à formação dos minerais descobertos. Segundo eles, os filossilicatos ter-se-ão formado nos primeiros tempos de Marte, sendo depois enterrados por erupções de lava. Posteriormente, o material terá sido exposto graças à erosão em áreas específicas ou então desenterrado devido a impactos de meteoritos
meteorito
Um meteorito é um corpo sólido que entra na atmosfera da Terra (ou de outro planeta), sendo suficientemente grande para não ser totalmente destruído pela fricção com as partículas da atmosfera, e assim atingir o solo. Os meteoritos dividem-se em três categorias, segundo a sua composição: aerolitos (rochosos), sideritos (ferro) e siderolitos (ferro e rochas).
. Análises geológicas das regiões vizinhas, colocam a formação dos filossilicatos nos primeiros momentos da era Noachian – era que durou desde o nascimento do planeta até há cerca de 3,8 milhares de milhões de anos - durante um período de intensa formação de crateras. Para que se possa justificar a enorme quantidade de argilas encontrada, deverá ter havido um sistema hidrológico activo nos primeiros tempos de Marte. Regiões da sua superfície poderão ter permanecido em contacto estável com a água líquida, por longos períodos de tempo, se o clima tiver sido suficientemente temperado. Em alternativa, todo o processo de formação pode ter ocorrido através da acção da água numa crusta fina e tépida.

Os dados obtidos pelo OMEGA levam os cientistas a concluir que os depósitos de sulfatos se formaram depois dos filossilicatos. Para se formarem, os sulfatos não precisam de uma presença constante de água líquida, mas a água deve estar presente e ter um carácter ácido.

O mapa de localização destas duas diferentes espécies de minerais hidratados aponta para dois episódios climáticos de relevo na história de Marte: uma primeira época húmida, na era Noachian, na qual se formaram os filossilicatos, seguida por uma época de ambiente mais ácido, na qual se formaram os sulfatos. Os dois episódios encontram-se separados por alterações climáticas globais no planeta.

O investigadores consideram ainda a hipótese de Marte poder ter sustentado formas de vida na era Noachian, marcada pelos filossilicatos. Os minerais argilosos detectados podem ainda reter os traços de um possível desenvolvimento bioquímico em Marte.

Os resultados desta investigação foram publicados a 30 de Novembro de 2005 na revista Nature.

Fonte da notícia: http://www.esa.int/SPECIALS/Results_from_Mars_Express_and_Huygens/SEMA1UULWFE_0.html