O enigma dos magnetares

2005-03-09

Um buraco no gás de hidrogénio neutro à volta do magnetar, com 100 por 75 anos-luz de dimensão, é um indício de que a estrela que deu origem ao magnetar era uma estrela de massa muito elevada. Na imagem, o vermelho mostra o gás de hidrogénio neutro, mapeado pelo Australia Telescope Compact Array e pelo radiotelescópio Parkes (de 64 m); a azul, estão os dados do observatório de raios-X Chandra, que mostram o magnetar. A bolha no hidrogénio foi escavada pelo vento da estrela progenitora do magnetar. Crédito: ATNF/CXC/B. Gaensler (CfA).
Os magnetares são estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
com campos magnéticos
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
mil biliões de vezes (1015) mais fortes do que o campo magnético da Terra - se um magnetar
magnetar
Um magnetar é uma estrela de neutrões com um campo magnético extremamente intenso gerado pela rotação da estrela sobre si própria, cuja velocidade angular é da ordem de mil rotações por segundo.
estivesse posicionado a meio caminho entre a Terra e a Lua
Lua
A Lua é o único satélite natural da Terra.
, desmagnetizaria todos os cartões de crédito da Terra!

Desde o primeiro magnetar descoberto, em 1998, que a fonte destes objectos magnéticos tão poderosos é um mistério.

Os astrónomos pensam que os magnetares são estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
, apesar de só se conhecerem uma dezena de magnetares; outra classe de estrelas de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
, os pulsares, são muito mais comuns – conhecem-se mais de 1500. Uma diferença fundamental entre eles é o facto dos magnetares emitirem fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de alta energia (raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
e raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
), enquanto que os pulsares normais emitem radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
, de baixa energia.

Os pulsares de rádio e os magnetares encontram-se nas mesmas regiões da Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
: regiões onde estrelas explodiram recentemente como supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. A questão que os astrónomos colocam é: se se encontram em locais semelhantes e se têm a mesma origem, porque são tão diferentes?

Estudos prévios já sugeriram que a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
da estrela progenitora pode ser a chave e a descoberta de magnetares em aglomerados de estrelas de massa elevada pode ser um indício desta ligação.

Até há pouco tempo, os astrónomos estavam convencidos que as estrelas de massa realmente elevada davam origem a buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
quando morriam. Mas, nos últimos anos, aperceberam-se que algumas destas estrelas podem formar pulsares porque entram numa fase de perda de massa muito rápida antes de explodirem como supernovas. Esta perda de massa, através de ventos estelares muito fortes, pode permitir que se forme uma estrela de neutrões quando uma estrela de massa muito elevada entra em colapso.

Para testar esta ideia, uma equipa liderada por B. Gaensler, do Centro Smithsonian para a Astrofísica (EUA), investigou um magnetar chamado 1E 1048.1-5937, localizado a aproximadamente 9000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
da Quilha. Para obter pistas sobre a estrela que deu origem ao magnetar, a equipa estudou o gás de hidrogénio à sua volta, utilizando dados de rádio otidos com os telescópios australianos do Australia Telescope National Facility, nomeadamente, o Australia Telescope Compact Array e o radiotelescópio Parkes (de 64 m).

O mapa de hidrogénio que construíram revela um buraco no gás à volta do magnetar. As evidências indicam que este buraco foi escavado pelo vento que fluiu da estrela antes de esta entrar em colapso. As características do buraco permitem estimar que a estrela tinha uma massa entre 30 e 40 massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
.

Outra diferença na formação de magnetares e pulsares pode residir na rapidez da rotação das estrelas de neutrões quando se formam. Os investigadores sugerem que as estrelas de massa muito elevada formarão estrelas de neutrões a rodarem até 500 a 1000 vezes por segundo. Uma rotação tão rápida deve dar origem a um dínamo e gerar campos magnéticos muito fortes. As estrelas de neutrões normais nascem a rodar apenas 50 a 100 vezes por segundo, e com um campo magnético 1000 vezes mais fraco.

Se os magnetares nascem de facto de estrelas de massa muito elevada, então pode-se prever a sua taxa de formação comparada com a dos pulsares de rádio. Estima-se que a taxa de formação de magnetares será apenas um décimo da taxa de formação de pulsares normais. Com uma dezena de magnetares já descobertos, talvez já estejam descobertos quase todos os que podem ser encontrados!

Fonte da notícia: http://csiro.au/index.asp?type=mediaRelease&id=magnetars&style=mediaRelease