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NGC 6888 - Nebulosa do Crescente

Ditos

"Ciência não é outra coisa senão um conhecimento habituado no entendimento, o qual se adquiriu por demonstração. E demonstração é aquele discurso que nos faz saber."
- Luís de Camões


Impactos, impactos por todo o lado?

2008-05-02
Hoje em dia a hipótese explicativa para a origem da Lua (ou melhor, do estranho sistema Terra-Lua) com maior aceitação na comunidade científica assenta na ocorrência de um evento cataclísmico na infância do nosso planeta: um choque entre a proto-Terra e outro objecto planetário, aproximadamente do tamanho de Marte, e que até tem nome: Theia. Claro que esta ideia tem ainda os seus adversários, e que muito ainda está por explicar. Mas é, nesta altura, uma teoria bem estabelecida.

Sem nos afastarmos muito (astronomicamente falando…) do nosso planeta, não faltam outros mistérios no Sistema Solar. Tomemos, por exemplo, os nossos dois vizinhos planetários mais próximos: Vénus e Marte.


Mapa da superfície de Vénus.
O primeiro, praticamente das dimensões da Terra, tem apesar disso uma história geológica completamente diferente. A sua atmosfera corrosiva e densa, e o terrível efeito de estufa que provoca, fazem da superfície venusiana um verdadeiro inferno. Mas a diferença vai mais fundo: o próprio interior do planeta parece ser bastante seco. A quase completa ausência de água ajuda a explicar a inexistência de um regime tectónico semelhante ao da Terra; dito de outra forma, é essa a razão porque em Vénus não existe tectónica de placas e a renovação da superfície parece fazer-se em paroxismos vulcânicos separados por longos períodos de tempo. Um artigo recente [J. Huw Davies, Did a mega-collision dry Venus’s interior?, Earth and Planetary Science Letters (2008), doi: 10.1016/j.epsl.2008.01.031] oferece uma nova explicação: Vénus, o planeta que conhecemos, ter-se-ia formado em resultado de uma colisão frontal de dois objectos de grandes dimensões, no dealbar do Sistema Solar. Essa colisão, verdadeiramente titânica, teria tido várias consequências observáveis ainda hoje: a estranha inclinação de Vénus (que, como se sabe, gira “ao contrário”) e a expulsão da água, além de contribuir para a ausência de um campo magnético. Segundo esta hipótese, as condições actuais à superfície de Vénus não se devem a um efeito de estufa galopante, que teria provocado primeiro a evaporação e depois a dissociação da água, levando à fuga do hidrogénio para o espaço, mas sim à falta desse extraordinário composto desde o nascimento do planeta. Como testar esta hipótese? O próprio autor sugere que a descoberta de minerais hidratados na superfície de Vénus a invalidaria…


Mapa da superfície de Marte.
Quanto a Marte, um dos grandes enigmas que ainda persistem quanto à sua história diz respeito à acentuada diferença entre os dois hemisférios: as terras altas e acidentadas do Sul contrastam com a vasta planície do Norte, quase quatro quilómetros mais baixa (em média). O que pode ter originado esta dicotomia (que se reflecte também na espessura da crosta)? Há já mais de vinte anos, alguns cientistas (entre os quais S. Squyres, o responsável pelos rovers Spirit e Opportunity) avançaram a ideia de que esta grande depressão poderia ser uma enorme bacia de impacto, cujos contornos corresponderiam à estreita faixa em que a topografia de Marte se altera – mas esse ajustamento parecia bastante forçado. Até porque, pelo meio, se interpunha uma outra região estranha, o domo de Tharsis. Nesta área equatorial, a mais elevada de Marte, uma verdadeira “bolha” na superfície do planeta, existem grandes vulcões, cuja actividade se deu num período mais recente e cobriu com as suas lavas uma extensão significativa dessa possível cratera, disfarçando-lhe os limites. Agora, uma equipa do MIT conseguiu “apagar” essa contribuição (utilizando os dados recolhidos pelas diversas sondas que orbitaram o planeta na última década) e chegou à conclusão de que o melhor ajuste se verifica para uma elipse com cerca de 10650 km de eixo maior. Mas como teria essa grande cratera sobrevivido? Normalmente, um impacto desta magnitude deveria libertar tanta energia que provocaria a fusão de grande parte do planeta, com o consequente preenchimento da região escavada por um oceano, sim, mas de magma… Porém, a modelização deste género de impactos tem progredido a grandes passos, e outra equipa (desta vez, do Caltech) demonstrou agora que um impacto oblíquo não teria necessariamente essa consequência (ao contrário do que se passaria se o impacto fosse vertical). Portanto, a hipótese parece agora muito mais viável, e começa a ser seriamente avaliada pela comunidade científica.


Esquema da estrutura interna de Mercúrio.
Estaremos a esquecer-nos de Mercúrio? Bem, o mistério neste caso é o grande volume ocupado pelo núcleo metálico do planeta (que apresenta uma densidade muito superior à que seria de esperar para um objecto com as suas dimensões), e que se pode explicar com o desaparecimento de uma grande proporção do manto, provocado… por um impacto de grandes proporções, claro. Mas a verdade é que, quanto a este planeta, muitas novidades surgirão nos próximos tempos, com as passagens e posterior satelização (em 2011) da sonda Messenger da NASA, seguida pela Beppi Colombo, que a ESA enviará para o mesmo destino daqui a alguns anos.

E para quem não aprecia esta generalização dos grandes impactos como explicação para tantos dos mistérios da evolução planetária, convém recordar que, pelo que sabemos, a infância de um sistema planetário é certamente bastante conturbada, e este género de “encontros” tem toda a probabilidade de acontecer…