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A questão do metano em Marte

2004-12-21

Representação artística da Mars Express em orbita de Marte (ESA)
É comum entre os geoquímicos afirmar-se que a composição da atmosfera de um corpo planetário reflecte os principais processos que se passam à superfície ou no interior dos planetas. Como as análises ao sangue de uma pessoa dizem do estado ou hábitos da mesma, a análise de uma atmosfera permite-nos saber dos fenómenos que nele se passam e como tem sido a sua evolução ao longo dos tempos.

A 30 de Março do corrente ano a Agência Espacial Europeia, responsável pela missão Mars Express que orbita o planeta Marte há quase um ano, apresentava os resultados da composição da atmosfera marciana. Confirmamos que a atmosfera consiste de 95% de dióxido de carbono e 5% de constituintes menores. Dentro destes foram detectados oxigénio, vapor de água, monóxido de carbono, metano e outros que permitem fazer importantes ilações sobre a evolução do planeta e até inferir sobre a presença de vida passada ou presente. A presença de metano foi confirmada graças ao uso de um espectrómetro especial (Planetary Fourier Spectometer – PFS) a bordo da sonda Mars Express. Este instrumento é capaz de detectar a presença de moléculas particulares pela análise da assinatura espectral – o modo específico pelo qual cada molécula absorve a luz solar que recebe.

As medidas efectuadas permitiram descobrir que a quantidade de metano é muito pequena – cerca de 10 partes num milhar de milhão (10 ppb, como os químicos designam), sendo que o processo da sua produção é provavelmente muito pequeno. Contudo, uma questão excitante permanece: de onde veio esse metano?


Concentração de vapor de água em Marte. Os valores de metano (em ppb) estão sempre associados as zonas de maior concentração de água
Uma coisa em que os especialistas são unânimes é que o metano não pode durar muito na atmosfera de Marte e não pode ser produzido na atmosfera. Uma vez na atmosfera, a tendência do metano é para rapidamente se oxidar produzindo água e dióxido de carbono e isto num período muito curto, algo como poucas dezenas de anos. Logo podermos concluir que tem de haver uma fonte intrínseca ao planeta que continuamente produza o gás que quimicamente é formado por um átomo de carbono associado a quatro de hidrogénio. Os cientistas sabem que há duas formas na Terra de produzir metano: o vulcanismo e a actividade biológica de microorganismos que alguns estendem à flatulência de alguns bovídeos que injustamente têm, por vezes, sido apontados como responsáveis pelo aquecimento global a Terra, dado que o metano é um perigoso gás de “efeito de estufa”.

Embora se desconheçam traços de vida em Marte (apesar de alguns continuarem a clamar que encontraram vestígios fósseis num meteorito proveniente de Marte – o célebre ALH 84001), a especulação sobre nichos de vida subterrânea remonta a um artigo de 1992 publicado na “Icarus, 95, 300-308 com o título “On the possibility of chemosynthetic ecosystems in subsurface habitats on Mars” por Boston, Ivanov e McKay. Estes hipotéticos biossistemas bacterianos, ou biomas, teriam por base bactérias que fariam uso do hidrogénio e produziriam metano. É interessante e não deixa de ser tantalizador para os que querem a todo o custo que Marte seja ou tenha sido habitado. Daí que o estudo do metano de Marte apresente um redobrado interesse para a nova ciência da Astrobiologia.

Outra possibilidade é a de que o metano seja inorgânico e produzido por fontes hidrotermais muito localizadas que ainda estejam activas em algumas regiões do planeta, já que se pensa que os últimos grandes episódios de vulcanismo em Marte tenham terminado há bastante tempo. É um ponto interessante e que merece uma investigação futura, embora pouco se possa adiantar sobre o assunto.

Num artigo recente da “Science” 1 , alguns investigadores lembram que a longa duração do metano implica que a distribuição do metano seja uniforme o que os dados mostram não ser verdade. Há uma maior concentração nas zonas equatoriais e uma não devidamente explicada associação com a água. Estas dois factos apontam ainda para uma terceira possibilidade a de: o metano estar armadilhado em pequenas “caixas” de gelo que os químicos conhecem como clatratos e que podem corresponder a uma associação típica já pontada para os cometas e frequentemente estudada na Terra onde estes compostos existem nas zonas geladas, de permafrost e nas profundidades oceânicas. Se o metano está nos clatratos, pode ser uma forma primordial, inorgânica e estável, apenas perturbada pelos inúmeros impactos ao longo da história de Marte. Nessas alturas o metano primordial, juntamente com a água, libertar-se-íam para o exterior dando os pequenos valores que o espectrómetro da Mars Express revelou e que foram confirmados por observações directas de telescópios terrestres.

Seja como for, a questão do metano em Marte é um assunto ainda por resolver. Citando os autores do artigo da “Science”, a fonte de metano em Marte “pode ser biogénica ou não biogénica, incluindo antigos ou actuais microorganismos subterrâneos, consequência da actividade hidrotermal, ou o resultado de impactos cometários”. No que respeita à atmosfera de Marte está muito por ser descoberto.

1 Science, 3 de Dezembro 2004, Vol. 306, pp. 1758-1761.