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- Albert Einstein


As partidas do Sol

2005-01-18
Nós vivemos graças ao Sol e tudo na Terra, de uma forma directa ou indirecta, depende da actividade do "astro-rei". Por isso não é exagerado dizermos que se o Sol fosse um pouco diferente do que é, o clima seria bem desigual, muito provavelmente não existiria água líquida sobre a superfície da Terra e a vida seria de todo impossível. Porém, a noção de que a nossa estrela é estável está, desde há muito, posta de lado.


Conjunto de manchas solares na superfície da nossa estrela. Crédito: Jack Newton.
Em 1801, o grande astrónomo William Herschell - aquele que descobriu o planeta Úrano - publicou um estudo em que correlacionava a actividade solar com numerosos fenómenos cíclicos na Terra. Herschell, que tinha estudado as manchas solares e que conhecia o seu período de onze anos, procurou estabelecer uma ligação entre aquela periodicidade e alguns acontecimentos aqui na Terra. Entre as várias que diz ter encontrado, referiu a relação do máximo da actividade solar com a produção dos melhores vinhos. Para ele as alturas de maior quantidade de manchas no Sol condicionariam as melhores uvas na Terra e, de onze em onze anos, os produtores vinícolas obtinham os melhores vinhos. Nunca se conseguiu provar aquela correlação, mas as ideias de Herschell estão na base de uma série de explicações pseudo-científicas sobre os máximos da actividade solar e alguns eventos aqui na Terra.

Durante o século XX, houve quem sugerisse que a actividade periódica do Sol está ligada com a mudança periódica da migração das andorinhas, com a produção de trigo e até mesmo agitações sociais. A Revolução Americana, a Revolução Francesa, a Comuna de Paris, a Revolução Russa, a Segunda Grande Guerra e a queda do Muro de Berlim, para estes cultores de coincidências, foram determinadas por máximos de actividade solar. Indo mais longe, alguns psicólogos norte-americanos tentaram provar que o maior número de suicídios e agitação social também coincide com as alturas em que o Sol apresenta mais manchas.

Tudo isto não passa de pura especulação! Obviamente que aqueles acontecimentos deram-se em alturas de máximo da actividade do Sol, mas de forma nenhuma essas coincidências reflectem uma ligação directa e causal. O que se sabe é que o Sol, nos seus máximos de actividade, provoca sérias influências físicas sobre a Terra. Uma das mais evidentes é a abundância de auroras polares durante aqueles períodos. Tratam-se de interacções do "vento solar" sobre o campo magnético da Terra. É que nestas alturas de máximo de actividade, o Sol emite correntes de partículas carregadas que colocam em perigo os sistemas electromagnéticos do nosso planeta. Não apenas a atmosfera é atingida, mas as comunicações, os satélites e os computadores são seriamente ameaçados.

Outras influências, bem mais sérias e longamente discutidas entre os especialistas em questões solares, dizem respeito à aparente conexão entre o ciclo das manchas solares e o clima global da Terra. Um caso conhecido é o do Mínimo de Maunder, um período de 70 anos, de 1645 a 1715, no qual a actividade de manchas solares virtualmente diminuiu e é acompanhada na Terra por uma drástica redução da temperatura. Em todo o continente europeu e América do Norte registaram-se temperaturas muito baixas e o rio Tamisa, em Londres, esteve mesmo congelado sendo possível ser atravessado a pé. Este período de mínima actividade solar foi descoberto, em 1893, pelo astrónomo inglês E. W. Maunder (1851-1929) do Observatório de Greenwich, quando estudava os velhos registos observacionais sobre o Sol.



Variabilidade das manchas solares nos últimos 400 anos, sendo de destacar o “Mínimo de Maunder” um período entre 1645 e 1751 quando não foram vistas manchas no Sol. Crédito: Joe D’Aleo.


Investigações recentes1 têm confirmado tal conclusão e mostrado que tais períodos de baixa de actividade solar são coincidentes com baixas temperaturas. Quem sabe se aquele fenómeno pode estar na origem das várias festas da Nossa Senhora das Neves que se comemoram em Agosto em várias aldeias do nosso país? Durante aqueles períodos de baixas temperaturas entre nós, as neves não desapareciam completamente, no alto das montanhas em pleno Verão, levando assim ao culto de um fenómeno que em épocas normais não se verifica. O assunto é de tal forma interessante que prometemos voltar a trazê-lo a estas crónicas.

Obviamente que qualquer estudo da evolução do clima da Terra tem de incluir como variável a própria variabilidade da nossa estrela.

1 Soon, W. & Yaskell (2004). The Maunder Minimum and the variable Sun-Earth Connection. World Scientific Publishing Co., New Jersey.